II - Chiclete e Molho de Tomate

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A quinta-feira chega rápido. Não está mais chovendo.
Inevitavelmente, checo o celular. Nenhuma resposta ainda.
A mensagem sequer foi visualizada.
Arquivo o chat, porque me sinto melhor que ele não apareça na tela inicial do aplicativo.

— O que ele falou da lâmina 87? — Lily sussurra no meu ouvido.

— Eu não prestei atenção. — Faço uma careta meio triste. Ela faz bico e tenta de novo com outra pessoa.

Naquele momento, a aula não era tão importante. O professor mostrava as diferenças morfológicas em cada lâmina no microscópio, mas eu estava com a mente em outro lugar. Novamente.

Sexta-feira eles iriam nos comunicar o resultado das combinações e eu já tinha destruído todas as minhas unhas e cutículas numa tentativa de controlar o nervosismo.
A situação já era ruim, mas a falta de resposta de Mark estava me matando por dentro. Será que ele tinha desisto? Será que alguma coisa deu errado?

Era quase impossível impedir a minha mente de entrar nesses lugares obscuros, onde a dúvida consumia a sanidade.

— Você está bem? — Lily indaga novamente.

— Não muito. Estou me sentindo um pouco mal. — Respondo e é verdade. Havia uma mistura de queimação e enjoo acontecendo.

— Quer água? Um docinho? — Ela é muito solícita.

— Tem chiclete?

Ela me passa alguns e eu os abro silenciosamente. Não é permitido comer no laboratório, mas eu escondo bem.

Mascar o chiclete me ajuda a focar na aula, que dura um pouco mais.

★★★

— Você está bem distraída...

Lily me olha preocupada. Acho curioso como ela é persistente, mesmo que eu tenha colocado uma óbvia barreira entre nós. E mesmo que não precise da minha amizade, já que ela é bem popular. A lealdade dela seria bem vista pelo conselho da nossa alcatéia.

— Vai ter um... — Tomo cuidado com as minhas palavras. — ... evento na minha comunidade, lá em nossa Vila. É exclusivo das famílias mais tradicionais e esse ano eu vou fazer parte, então eu tô bem nervosa com os preparativos.

Pronto. Uma meia verdade.

— É mesmo? É tipo uma festa?

— Tá mais pra uma cerimônia. Já te expliquei que eles são bem tradicionais e religiosos, né? A gente tem que fazer uns votos e é uma parada bem séria.

— Mas você quer fazer isso? — Lily está preocupada. Ela deve achar que é algum tipo de fanatismo religioso ou uma seita.

— QUERO! Quero sim. — Me apresso. — Na verdade, eu tenho esperado por isso há muito tempo.

— E o que está te deixando preocupada? – Ela afaga as minhas costas.

— É só nervosismo. Você sabe como eu sou, eu estou sempre preocupada. Eu só quero que saia tudo como planejado. — Dou uma risada meio sem graça.

— Vai ficar tudo bem! Vai dar tudo certo. — Tranquiliza. — E se não der, está tudo bem também. Ninguém vai morrer por isso, vai?

Vai.

— Não, claro que não. — Finjo um suspiro aliviado. Ela dá um sorriso mais satisfeito, feliz de ter feito algo por mim.

Não consigo evitar o sentimento ruim que a mentira causa nas minhas entranhas.

Continuamos caminhando, em direção ao ponto de ônibus. A última aula do dia tinha terminado e todo mundo estava exausto.

Meu celular vibra.

Imediatamente, quase tremendo, desbloqueio a tela.

📥 Pode trazer molho de tomate?

Quero gritar.

📤 Posso, mãe.

Suspiro pesadamente. O resultado saia amanhã. Amanhã!

A noite seria longa demais.

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