I - Pastilhas de Magnésio

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É uma quarta-feira muito molhada. Do lado de fora da biblioteca, a chuva cai em gotas grossas e bem ruidosas. Era aquele som gostoso, que as pessoas colocavam no YouTube para dormir melhor.

Olho para a janela, me sentimento melancólica e um pouco ansiosa. Dormir melhor não era bem algo que eu tinha feito no último mês. Minhas noites eram uma mistura de chás e Bromazepam, enquanto as manhãs estavam mais para café puro e banhos gelados.

Pego minha garrafa de água e fecho o notebook. Talvez estivesse na hora de uma pausa?

Do lado de fora é barulhento, cheio de gente e a chuva parece ecoar no Hall. Me espreguiço perto da entrada, sentindo o ar frio escapar pelas frestas da porta de vidro e arrepiar os pelos do meu braço.

Minha cabeça está bem cheia, e estudar é uma tarefa difícil.

— Ainda por aqui, amiga? — Lily chega e entrelaça nossos braços.

— Pensando em  voltar pra casa, mas essa chuva não dá trégua. — Respondo, suspirando.

— Pelo menos tá conseguindo revisar o assunto da prova?

— Pior. Parece que minha cabeça tá em outro lugar. — Confesso.

— Problemas em casa? — Ela me olha preocupada. Lily é boa ouvinte, mas ela não está preparada para ouvir a verdade do que está me atormentando.

— Tipo isso.

Sou propositadamente vaga. É algo em que sou boa.
Quatro anos me ajudaram a usar a máscara perfeita. Contar a verdade, mas não toda. Me relacionar com essas pessoas, mas sempre manter uma distância segura. Para mim e para elas.

Lily não pergunta mais nada. Ela sabe que isso é tudo o que eu vou falar. Depois de um afago nas costas, ela me conta um pouco sobre os próprios problemas. É legal, porque eu me distraio e quase dá de esquecer.

Quase.

Meu telefone toca. É minha mãe.

— Oi, mãe. — Atendo, pedindo licença.

Que horas você volta? Está muito ocupada?

— Não, estava apenas esperando a chuva passar um pouco. Precisa de alguma coisa?

Uma azia fraca começa a subir pelo meu estômago.

Sim, preciso que você nos ajude a preencher uns papéis de... Você sabe. — Ela é vaga, porque sei que tem medo de alguém escutar algo pelo telefone.

— Ah, sim. Entendi. Eu volto daqui a pouco, vou arrumar minhas coisas. — Termino a ligação, me despedindo.

— Hora de voltar? — Encontro Lily perto de umas cadeiras. — Se precisar, posso te acompanhar até a parada com um guarda chuva.

— Acho que não precisa, a chuva está ficando fraca. — Não é bem verdade. — Vou por meu casaco e sair correndo.

Nos despedimos rapidamente e volto para recolher minhas coisas. Guardo tudo de forma mecânica, com o pensamento em outro lugar e com o estômago queimando.

★★★

A ansiedade era a minha pior inimiga. Não que as mudanças não fossem tão importantes, mas ela tornava tudo muito maior do que era.

— Será que a senhora pode me passar as pastilhas? — Peço para a minha mãe, que está me olhando com uma ansiedade parecida com a minha.

Ela parece feliz de poder fazer alguma coisa, e rapidamente entrega o remédio para gastrite.

A queimação parecia que iria me matar de dor.

— Depois disso faz o que? — Pergunto para o meu pai, que está sentado na mesa da cozinha comigo.

— Eu entrego lá no centro. Tem certeza que já escreveu tudo? — Ele tenta conferir os papéis.

— Tenho. Acabaram até as linhas! Não tem mais o que escrever. — Resmungo um pouco.

— Aí! É só pra saber. — Ele resmunga de volta. — Então me dá aqui para eu colocar no envelope.

Diligentemente, todos os papéis são colocados num envelope pardo.

Minha mãe da batidinhas no meu ombro, como se estivesse dizendo "muito bem feito, parabéns!".

— Vou levar agora. — Meu pai se levanta começa a procurar pela chave do carro. — Eles pediram para entregar tudo hoje.

— Aqui! — Mamãe entrega a chave e o acompanha até a porta.

Observo enquanto ela o ajuda a colocar a capa de chuva, muito preocupada que ele não vá esquecer nada e nem se molhar. Há uma sinergia entre os dois, mesmo que todo mundo esteja um pouco ansioso.
Me pergunto se terei isso, se teria essa sorte com alguém.

Meu celular vibra.

📥Já enviou os papéis?
📥To morrendo 🥵

📤Meu pai está indo entregar agora. 📤E você?

📥Também.
📥acabaram de sair

Visualizo a mensagem e meus dedos se apressam em digitar uma resposta.
Não bem uma resposta, mas uma pergunta.

📤Você está certo? Sobre a sua escolha?

— Pronto! Agora só nos resta esperar. — Minha mãe retorna para a cozinha e eu bloqueio o celular rapidamente.

— Sim, só nos resta a pior parte. — Faço piada, embora seja verdade.

Ajudo a minha mãe o resto do dia, sem ficar um minuto sozinha, o que me impede de checar meu celular.

E de ver se a mensagem foi respondida ou não.

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SCARS & DUTYOnde histórias criam vida. Descubra agora