Já eram duas da tarde e minha mala ainda estava aberta, as roupas espalhadas pela cama e pelo chão, e haviam muitas sacolas abarrotadas de casacos novos, alguns ainda com etiqueta, que comprei para essa viagem. Se minha mãe entrasse aqui agora com certeza ficaria irritada, afinal, eu já deveria estar pronta. E como se meu pensamento a tivesse chamado, minha mãe surgiu à porta fechando a cara.
— Anabella se perder esse avião eu não respondo por mim!
— Mãe, a senhora não devia estar... triste? Sabe, vou morar em outro país.
— Ela estava chorando! — Ouvi minha irmã gritando no andar de baixo.
— Eu não tava chorando menina! Ah, vocês duas, bem que precisam de um corretivo!
Minha mãe saiu batendo a porta e logo depois ouvi os passos acelerados de minha irmã subindo a escadaria.
— Quer ajuda? — Perguntou ela saltando na cama.
— Não cabe tudo na mala... — Comentei, estava ali já há algum tempo tentando enfiar o que comprei mais o que eu já tinha nas três malas roxas a nossa frente. Duas de rodinhas e uma de mão.
— Por Deus Ane, você tem três malas!
— E mesmo assim não cabem as minhas coisas.
Jude se acomodou na cama avaliando meus pertences e tomando algumas roupas na mão a fim de dobra-las. Suspirei torcendo para que ela pudesse fazer algum milagre. Eu estava de mudança para a cidade mais fria do mundo, uma pequena loucura para a qual venho me preparando há anos, mas que, só depois que eu e Jhon terminamos é que tomei coragem para realmente ir. Precisava respirar novos ares.
— A mamãe estava mesmo chorando? — Quis saber.
— Sabe como ela é, finge que é durona, mas você vai fazer falta por aqui.
— Também vai sentir minha falta pirralha?
— Claro que vou! Mas sabe o que ajuda? Você deixar algumas dessas roupas para mim invés de arrastar todas com você para o Alasca!
— Ah! Bem que achei estranho você querer me ajudar!
Jude sorriu buscando no celular um daqueles vídeos que ensinam a dobrar roupas de modo a economizar espaço na mala. Passamos boa parte da tarde juntas apertando o máximo de casacos que conseguimos em cada uma das malas e quando por fim conseguimos fecha-las, haviam sobrado alguns de meus pertences e roupas do lado de fora.
— E estas são para mim! — Antes que eu tivesse tempo de entender, minha irmã juntou o máximo de roupas nos braços e saiu correndo na direção de seu próprio quarto.
— Eu vou cuidar bem delas! — Gritou.
Dei risada, uma meia ficou caída no chão e algumas blusinhas ficaram para trás devido a pressa de Jude em fugir de mim com as roupas, mas eu sabia que logo ela viria busca-las.
Olhei para o relógio e já passava das sete, achei melhor descer com as malas antes que minha mãe ficasse realmente irritada pela demora em me arrumar. Desci as escadas tropeçando nas malas e por isso demorei a perceber a mesa farta de comida que minha mãe havia feito para mim. Percebi que seus olhos estavam vermelhos e ela tentava inutilmente disfarçar que estava chorando quando me lançou um sorriso.
— Não pensou que eu te deixaria pegar o avião com fome, não é? Vamos tem tudo o que você mais gosta! Com isso espero que você não esqueça de nós e venha nos visitar de vez em quando!
— É só por um tempo mãe! E com certeza virei ver vocês.
Dei um abraço carinhoso nela, quando minha irmã desceu nos sentamos para comer. Meu pai sempre trabalha até muito tarde e por isso despediu-se de mim essa manhã, sentia falta da presença dele na mesa conosco, mas eu entendia o porquê de ele não estar. Depois de me empantufar de pão de queijo, misto quente e uma boa dose de refrigerante eu estava pronta para pedir um carro e partir, mas não estava pronta para me despedir de minha família.
Durante a refeição nós apenas riamos e debochamos uma da outra, mas quando me levantei, até Jude ficou com os olhos inundados por lagrimas. Confesso que também não contive as minhas. Nos últimos dias me perguntei muitas vezes se a decisão de ir morar no Alasca não tinha sido precipitada. Minha mãe deu maior chilique quando soube da notícia e meu pai não disse nada, acho que ele não acreditava que eu realmente iria, e nessa manhã quando saiu para o trabalho penso que ele ainda estava esperançoso de que tudo isso fosse uma grande piada.
Eu já tinha viajado para alguns países frios com meu ex, e como sempre gostei de neve meu sonho era morar em um desses lugares. Primeiro, eu desejei morar na Alemanha, depois, por influência da minha irmã, passei a sonhar com uma vida na Suécia. Então, depois de ler um artigo chamado "países que pagam para você morar neles" percebi que morar no Alasca seria uma aventura e tanto, mesmo porque, como disse antes, cheguei a viajar para países frios antes e não acho que o Alasca seja tão diferente assim.
Eu descobri que apesar de a propaganda ser bonita, não é fácil conseguir um visto para chegar na cidade, eu já arranhava o inglês, mas precisei aperfeiçoar bem o idioma e quando soube que meu ex estava prestes a ser pai, não vi razões para adiar nem mais um dia meu sonho de morar em um lugar frio.
Jhon e eu nos conhecemos muito jovens, aos 14 anos para ser exata, no entanto, conforme fomos crescendo nossas opiniões e gostos também foram mudando, mesmo assim não passou pela minha cabeça que ele, fosse me trair, e por mais que eu insistisse que estava bem, no fundo uma parte de mim considerou perdoa-lo, eu ficava de olho nas redes sociais dele em busca de notícias, e foi assim que eu descobri que ele estava prestes a se casar com a mulher com quem me traiu e ainda por cima teria um filho com ela.
Eu sabia que a viagem era uma loucura, mas a vida no Rio de Janeiro já não tinha mais nada a ver comigo, eu não podia deixar de viver meus sonhos esperando que Jhon voltasse ou simplesmente imaginando como minha vida podia ter sido se eu tivesse arriscado.
Pedi demissão, reuni os fundos que juntei por anos pensando nessa viagem bem como as comissões que me eram devidas na empresa, então usei tudo para rechear minhas três malas com casacos novos, os quais esperava que fossem suficientes para me ajudar a suportar o frio do Alasca. Também aluguei por seis meses um chalezinho que consegui pela internet, foi o único que consegui pagar e pelas fotos ele devia ser bem confortável.
Eu minha mãe e irmã nos abraçamos no meio da cozinha fazendo o máximo de esforço para não chorar. Não tinha noção de quanto tempo ficamos ali, e só fomos capazes de desgrudar uma da outra quando ouvimos um homem pigarreando na cozinha.
— Pai?
— Não posso deixar meu bebe sair sem antes dar um presentinho de boa viajem, além disso, você está atrasada e acho que precisa de uma carona também!
Corri para abraça-lo, não esperava vê-lo em casa, mas meu pai explicou que conseguiu sair mais cedo apenas para me entregar o presente. Um pesado manto cor de rubi cuja a etiqueta dizia que a peça era importada.
— É magnifico!
— E serve para dois. – Disse ele com um sorriso malicioso, até parece, eu não queria um homem na minha vida tão cedo.
— Ai meu Deus... E como uma coisa desse tamanho entra na mala? — Perguntou Jude, mas eu sabia muito bem quais eram suas verdadeiras intensões.
— Nem inventa, vou leva-lo assim mesmo, não pense que vai ficar com mais roupas minhas porque não vai.
Me despedi delas mais uma vez e fui com meu pai para o carro, não falamos muito durante o trajeto, eu estava ansiosa com o que me aguardava durante a viagem e ele como sempre respeitou meu silencio e espaço. Quando chegamos no aeroporto, meus olhos se encheram com teimosas lagrimas, estava feliz com a viagem, era a realização de um sonho afinal, mas não podia negar que sentiria saudades de casa, mesmo agora enquanto abraçava meu pai já sentia o aperto da solidão machucando meu peito.
— Boa sorte minha pequena, não deixe de ligar, sua mãe ficará louca se não o fizer.
— Só a mamãe? — Respondi tentando soar descontraída.
Respirei fundo e segui para a plataforma deixando meu pai, minha família e minha antiga vida para trás. Estava agora diante de um novo recomeço, e estava atrasada! Meu voo estava prestes a partir e por isso corri agradecida por ter comprado as passagens com antecedência, caso contrário eu teria que passar a noite aqui esperando o próximo voo pois com certeza não daria tempo de comprar uma passagem agora!
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Temido Inverno
RomanceAne decidiu que era hora de realizar seu sonho, uma viagem para o Alaska sem data para voltar. Contudo, apesar de já ter viajado antes para países gelados, a garota tem dificuldades para se adaptar ao clima, e a estação de inverno se aproxima a amea...