Capítulo 5

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Eira se espreguiçou ao meu lado fazendo com que eu acordasse, levantei devagar, fui escovar os dentes e tomar meu banho. Quando voltei, minha amiga ainda estava deitada enrolada no cobertor me encarando com os olhos cheios de sono

— É muito fofo esse seu cobertor.

— Foi um presente do meu pai.

Me sentei ao lado dela na cama, a noite passada havia sido ótima, mas a realidade exigia de mim algumas atitudes.

— Sabe onde posso conseguir um emprego? Algo que não exija tanta papelada? Preciso de um e não acho que ninguém vá me ceder uma vaga considerando que acabei de chegar, não consigo sequer uma conta de luz no meu nome...

— Estão precisando de uma garçonete onde eu trabalho, é o melhor que posso conseguir para você agora, se interessar... O Bogus é um cara legal, tenho certeza de que se eu explicar a situação vai conseguir o emprego. Mas aviso logo que o serviço é puxado. Aquele não é o bar mais bem frequentado e você sabe, quando se tem caras bêbados as chances de confusão são grandes. Mas é o que posso fazer.

— É perfeito! No momento tudo o que preciso é me estabelecer, depois posso correr atrás de empregos melhores e até quem sabe comprar uma casa para mim.

— Não gosta dessa? — Perguntou Eira sorrindo e se enrolando ainda mais no cobertor.

— É claro que sim, mas você me entendeu!

Minha amiga prometeu vir me buscar na segunda bem cedo para que pudéssemos ir juntas pedir o emprego a Bogus. Permiti que ela tomasse um banho enquanto eu preparava o café, depois disso passamos boa parte do dia jogando conversa fora e vendo filmes na TV. Eu não tinha pressa para ficar sozinha e Eira não parecia disposta a partir, assim aproveitamos bem o dia na companhia uma da outra.

— Você mora longe daqui? — Perguntei.

— Na verdade não, posso te levar na minha casa qualquer dia, só não conte com muito luxo.

— Eu não me preocupo com isso.

— Espere até ver a bagunça, sou a mais nova de quatro irmãos, e todos eles são homens além do meu pai, que também não leva muito jeito para manter a ordem das coisas. Sou meio que a mãezona que cuida de tudo entende? É um saco as vezes, o Jaime vive arrumando confusão, é o típico marombeiro de academia, e os dois irmãos do meio seguem o exemplo, Henry e Heitor. Depois tem o Mario, é o mais bagunceiro de todos e também com quem eu mais converso.

— Posso fazer uma pergunta indiscreta?

— Vá em frente, eu sempre faço.

— Porque você não mora nessa casa? Digo, só você com as coisas do seu jeito?

— Eu não gosto de ficar sozinha, só isso. E as vezes... quase sempre — confessou com um riso nervoso — sinto que é isso que vai acontecer comigo. Que as pessoas vão me deixar, virar as costas para mim a qualquer instante por qualquer motivo que seja.

— Mas que bobagem! Porque isso aconteceria? Em poucos dias aqui já percebi a mulher incrível que você é, não se ponha tão para baixo. Que eu saiba a inteligente do grupo é você, então por favor, aja como tal e comece a valorizar a si mesma. Uma mulher como você jamais vai ficar sozinha, e digo mais, devem ter muitos homens decentes fazendo fila para te conhecer melhor. Ontem mesmo lá no bar tinha um que não tirava os olhos de você e você nem deu uma chance ao coitado!

— Agora quem está dizendo bobagens é você — Eira me jogou uma almofada risonha — não vi ninguém dando em cima de mim, e você não tem moral para falar, o Dimitri ficou te secando a noite toda e você também não deu nenhum amasso nele!

— Ah não! Não sou mulher de amassos, o Dimitri que me desculpe, mas se o que ele quer é sexo de uma noite terá de arranjar outra gatinha porque essa aqui tem um compromisso sério com o romantismo.

— MEU DEUS — Berrou Eira — Você é clichê a esse ponto? Sério? E onde fica a diversão?

— Eu me divirto o suficiente, obrigada! — Mas será possível? Eira não tinha limites para certos assuntos. Eu já estava vermelha igual uma pimenta, nem precisava de um espelho para confirmar.

— Verdade? Aposto que os homens se derretem com esse seu jeito romântico dos anos 80, né?

— Anos 80? De onde você tirou que os anos 80 era uma época de romance?

— É época de gente velha! E você ta muito velha com esse pensamento. Agora confessa vai, a quanto tempo não dorme com alguém?

— De jeito nenhum! Hora de mudar de assunto! — Me levantei rápido tentando dissipar a vergonha e fui até a cozinha pegar qualquer coisa que pudesse me distrair! A verdade é que desde que o Jhon foi embora eu não me "divertia" com ninguém. Para ser honesta, mesmo enquanto estávamos juntos já fazia um tempo que havíamos caído na rotina e não nos preocupávamos tanto com isso. Talvez esta seja a razão pela qual eu ganhei um belo par de chifres...

Sacudi a cabeça, não queria pensar sobre isso, e quando olhei para trás percebi que Eira havia me acompanhado até a cozinha e tinha um olhar predatório, como se estivesse prestes a me atacar.

— Anneee — Disse ela alargando o sorriso. — Eu não vou te deixar fugir desse assunto.

— Você é terrível, sabia? Terrível!

— Sim, eu posso concordar com isso, mas vai me dizer, cedo ou tarde, o que quero saber. Amigas falam sobre essas coisas, não?

Dei de ombros, eu não estava disposta a falar sobre isso, não agora pelo menos. Talvez nunca?

— Em outro momento que tal? Agora tenho fome e vou atacar minha dispensa, se me permitir.

Eira pareceu se convencer de que eu não contaria nada a ela por enquanto, e se aproximou resgatando um pacote de bolachas que estava aberto. No final do dia minha amiga partiu com a promessa de que me encontraria na manhã seguinte para falarmos com Bogus.

Eu entendia o medo dela de ficar sozinha, afinal, logo após sua partida eu também me senti sozinha, e não é a sensação mais agradável do mundo. Quando morava com meus pais passava muito tempo no meu quarto, mas era diferente pois sabia que eles estavam por lá. Sempre estavam. E morar sozinha traz essa novidade, essa sensação incomoda de estar só. Espero apenas que eu me acostume logo com isso, pois não vou ter Eira para sempre em minha casa. Preciso encontrar um meio de me ocupar meus pensamentos por minha conta.

Aliás, acho que agora é um bom momento para ligar para meus pais. Tudo bem que já é tarde, mas o que é que tem? São meus pais, e pensar neles me deu saudades. Tenho direito de estar com saudades, não?

Temido InvernoOnde histórias criam vida. Descubra agora