Te procuro. Só sei te procurar.

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Júlia, eu te odeio.

Quando abri os olhos de manhã, pensei em você. Enquanto preparava o café, pensei em você e em como você sumiu, assim, do nada. Enquanto eu me arrumava pra sair, Júlia, eu também pensei em nós. Pensei no que fomos. Tínhamos tanto para ser. Eu achei que combinávamos tanto. Você era o amor da minha vida, eu achava. Nossa. Eu nunca amei tanto alguém quanto te amei. Júlia, eu me entreguei. Meu Deus, Júlia. O que você fez comigo. Por que eu não consigo parar de pensar em você? Para. Eu não aguento mais. Que exaustão. 

Seu Jorge me deu bom dia quando desci as escadas, às pressas, e apareci no saguão. Esqueci de responder. Eu gosto tanto do seu Jorge… Deve ter me achado mal educada. É que eu pensava no sonho que tive essa noite. Um sonho longo, sensível, que me fez acordar com o coração acelerado e me fez sentir aquela quebra de expectativa horrível quando percebi que foi só um sonho. Você foi, de novo, a personagem principal. Dessa vez, num contexto diferente. 

Eu tinha saído de casa porque tava precisando resolver alguma coisa no banco. Na fila, vi alguém parecida contigo. Vi um cabelo vermelho bem vivo, bem chamativo, liso, longo, sedutor. Vi um óculos escuro de formato de coração, aquele que você amava usar em todos os dias de sol forte. No sonho, estava um dia lindo. Também no sonho, as pessoas te olhavam meio torto pelo seu jeito chamativo de ser e se vestir. Eu amo isso, mas também sinto ciúmes. 

Só que quando percebi que era você, meu coração acelerou tanto a ponto de fazer meu cérebro parar. Não soube agir. Só permaneci naquela fila, parada, petrificada, te olhando encantada enquanto minhas pernas tremiam. Incapazes de sair do lugar. 

Então fiquei ansiosa por perceber que meu cérebro não me obedecia. Eu queria correr e te abraçar e te beijar e depois dizer o quanto senti saudades e o quanto você estava excepcionalmente linda, na verdade sobre o quanto sempre você está linda, e depois parar pra te olhar de novo, e te beijar, te beijar muito…

Mas eu não saia do lugar. Eu só conseguia te olhar. 

Aí um caminhão passou bem rápido, buzinando. Rápido mesmo, como se fosse um grande flash diante dos meus olhos. As buzinas fizeram meus ouvidos doerem. E aí eu fechei os olhos por conta do barulho e do vento que o passar do caminhão causou. E aí depois, quando abri, você não estava mais lá. 

Comecei a sentir medo de você ter morrido. O seu sumiço me deixou apavorada. Eu tentava correr até você, mas você não estava mais ali, você não mais existia. Eu também não conseguia gritar. Mas eu tentei tanto gritar. Eu me ouvia, mas os outros não. Você não me ouviu. E aí na última vez que gritei…

O alarme. Acordei num pulo. Respiração ofegante. Suor. 

Ouço, de novo, o barulho da buzina de um caminhão. Vejo meus cabelos voarem conforme o vento que ele causa. Fecho e abro os olhos de novo, assim como no sonho. Dessa vez, porém, é a vida real. É a Visconde do Rio Branco, em Niterói, movimentada como de costume. É sexta-feira. 

– Olha o sinal, filho da puta! - alguém gritou pro motorista desesperado. Eu, em contrapartida, só atravessei, tentando me concentrar no podcast que ouvia sobre dependência emocional.

São tantas pessoas na rua. São tantos rostos. Tantos cheiros. Tanta informação. Tantas tentativas minhas de encontrar você, Júlia. Eu olho pra todos os cantos. Meus olhos estão famintos. Eles doem de tanto que te procuro. Eu só sei te procurar. Mas não te encontro. E que frustração que eu sinto. Que raiva. Mas depois, que saudade. 

"Bom, eu falei tanta coisa sobre dependência emocional que você deve estar se sentindo um lixo, né?" Sim, estou. "É difícil eu tentar resumir tudo a uma coisa só, mas já que estamos na reta final do podcast, vou dizer minha última frase de feito separada pra esse momento: sua dependência emocional pode ser o seu grande desafio atual, mas também a maior comprovação do quanto você é capaz de amar. O que você deve passar a prestar atenção, é: quem está disposto a abraçar o tamanho desse meu amor? Pense nisso." 

Eu penso nisso o tempo todo. Penso no mundo que eu te entreguei, Júlia, mas que não foi o suficiente pra você. Por que você sumiu sem dar satisfação? Por que você não me disse que nunca quis nada sério? Por que você me deu espaço pra me apaixonar por você, porra? Caralho. Era só dizer. Era só dizer que você nunca esteve pronta pra assumir uma relação. Seria tão mais simples. 

Atravesso mais uma paralela. Já estou na altura do Niterói Shopping. Lembro que odeio essa calçada. É sempre caótica. Sempre tem gente indo e vindo. Sempre esbarro em alguém. Quase sempre tenho que andar praticamente no meio da rua pra conseguir caminhar mais rápido. 

Porra. Por que as pessoas hoje estão tão lentas? 

– Júlia! - um grito me chama atenção. Eu paro. Olho pra trás. Tiro o fone. Vejo um rapaz de camisa branca e calça jeans andando na minha direção. Boné preto. Correntes de prata. Sorriso cafajeste. 

Mateus. Meu ficante mais recente. 

Pessoas me ultrapassam no sentido contrário. Sinto um cheiro familiar com o de Júlia. De repente, o tesão inicial que senti ao olhar pra Mateus, depois de uma memória sexual nossa me vir à cabeça, se transforma em tédio e irritação. Ele não é Júlia. 

Ele só foi um dos corpos pelos quais eu tentei te encontrar, Júlia. 

"Se desfazer de algo que você mesma criou é doloroso, solitário e meio desesperador, mas você continua sendo capaz de…" 

Dou pausa no podcast. 

– Oi! - respondi, com um sorriso.

– Qual foi, gatinha. Tá com tanta pressa por quê? 

– Terapia. Me faltam exatamente 10 minutos pra chegar - mentira. Faltavam 30 minutos ainda. 

– Ah sim. Então não vou demorar. Tá tudo bem? 

– Aham - suspirei, cansada, porém sem deixar transparecer o quanto queria meter o pé. O semblante de preocupação dele me irrita. – E com você? 

– Bem. Aí, tá livre hoje à noite? 

Então, o tesão volta. Agora, Júlia, eu sinto raiva é de você. 

– Tô. 

– Bora lá pra casa. 

– Na minha é melhor. 

É, eu sei. Foi tão fácil que chega a ser ridículo. Eu, na verdade, ando sendo ridícula já faz uns meses. Mas pelo menos não passarei a noite sozinha. 

Mateus sorri. 

– Fechou. Te vejo daqui a pouco - são cinco da tarde. Ele me dá um beijo na bochecha. É molhado. Uma pena que não é o seu beijo. – E essa cara de marrenta aí, hein? Toda de preto… Parece até que tá de luto.

Sim, Mateus, estou.

– Preto me deixa mais gostosa - sorrio sacana. Ajeito o óculos de sol, também preto, sem precisar. Só pra fazer um charme. Eu sei que ele gosta. Seu olhar, que me come dos pés à cabeça sem esforço, me diz. 

– Concordo. 

– Até mais. 

– Beijos, gostosa. 

Ah, fala sério. Que tédio. 

Suspiro pesado, de cansaço, talvez de desespero, e quem sabe também de saudade, quando enfim me sento na poltrona da recepção da clínica. Marta, a recepcionista, me olha com um sorriso gentil. Toda sexta, às cinco e meia, eu tô aqui. Na verdade, estou sempre adiantada. 

– Pode entrar. Priscila liberou a paciente mais cedo. 

– Valeu, Marta. 

– Oi, Gabi! Como estamos? - Priscila hoje está linda. Seu cabelo quase sempre preso hoje está solto. Ela veste uma argola prateada. Você as usava tanto… Sempre combinou contigo. 

– Oi Pri. Não muito bem. 

Ela me olha amigavelmente. 

– Júlia, né? 

– É. 

– Sente.

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Oi, gente linda. Disse que o perfil tá desativado, mas não me aguentei... Voltei a escrever há uns meses e tô amando essa nova fase de originais e de narrativas cada vez mais reais. Júlia, até então, é a minha favorita. ❤️‍🔥

Personagens meramente ilustrativos. Nossa estrela principal é a dependência emocional.

Júlia Onde histórias criam vida. Descubra agora