– Você não deve me aguentar mais.
Priscila ri.
– Já conversamos sobre isso. Estou aqui pra falar sobre o que você, e unicamente você, deseja falar. Não se pressione tanto.
– Sinto que minha cabeça vai sucumbir. Só penso nela.
– Anda, sente. Vamos tentar mais uma vez.
– É que quando a gente se conheceu, tudo combinou tanto, Priscila. O primeiro beijo foi bom, o primeiro papo, a primeira transa. Meu Deus. Que transa. Eu não me sinto capaz de me desapegar disso. Ela se tornou um padrão. Tudo parecia estar perfeito. Cozinhávamos juntas, ríamos à beça, aí ficávamos em silêncio, mas nunca foi ruim esse silêncio. E então passávamos aquele tempo à sós, só olhando pra porra do teto, pensando na vida. Ela me contava os medos dela, sabe? Chorou e tudo comigo. Encostou no meu ombro. Eu nunca mais esqueci da sensação de querer protegê-la de tudo. Aí depois ela disse que sentia falta da família, que vir morar em Niterói pra estudar na UFF exigia muito dela. Disse que a cidade é bem cara. Mas disse também que tava adorando o curso, as pessoas que tava conhecendo… Disse que amava o bandejão de lá. E realmente. O bandejão da UFF é ótimo. Foi lá que a gente se conheceu. Eu já contei essa história, né? É, já contei. Na festa de calourada do início do ano, no bloco H. Nossa. Eu lembro até do horário exato. Ela tava linda. Enfim. Você já sabe. Aí depois ela me contou que tinha conhecido um cara. Que tinha ficado com ele e tudo mais… Assim, isso me preocupou. Eu sabia que não tínhamos nada, mas nos víamos todos dos dias. Porra. Todo santo dia ela tava lá em casa. A gente transava todo dia. E aí ela me falou dele. Disse que foi o primeiro homem com quem se relacionou sexualmente. Ela teve um pouco receio de me dizer isso. Quando nos conhecemos, disse ser lésbica. Pra mim foi meio foda-se, né, que diferença iria fazer? Só que esse cara… Acho que isso alugou um triplex na minha cabeça. Eu disse que não tinha problema. Ela é solteira, faz o que quiser. Mas estávamos todos os dias, durante duas semanas, juntas. Ficando sério. E aí ela me chega dizendo que ficou com um homem? O primeiro homem? Caralho! - exalo minha indignação com uma bufada frustrada. Os óculos já não estão no meu rosto. Meu cabelo é jogado pra trás pelas duas mãos.
– Você não queria que fosse só uma ficada séria. No fundo, isso era o que mais te amedrontava. Você tinha essa ansiedade de querer evoluir, mas também não falava. Por medo. E agora, olha o preço que você paga.
O preço que pago por não ter dado voz ao que sentia.
– Exatamente. Eu sei. É exatamente isso. Eu sou uma imbecil. Só que porra. Isso não entra na minha cabeça. E depois ela sumiu. Será que ela tá com ele? Ela não responde às minhas mensagens, mas visualiza. Ela posta stories na UFF. Eu fui até a UFF esses dias só pra tentar vê-la em algum canto. A porra do Gragoatá é enorme. Eu me perdi naquele campus, fiquei papo de 3 horas só andando, mas não a encontrei. Ela fica postando foto da orla, mas não me dá um sinal de vida pra mim. Meu Deus, Priscila, que desespero. Eu me sinto tão sozinha, isso me dói tanto. Eu nunca achei que fosse passar por isso. Chega a ser ridículo chorar por alguém.
Quando olho pra Priscila, vejo-a anotando incansavelmente. Ela sempre está com esse papel em mãos, escrevendo todos os seus achismos da consulta ali. Um dia, ela me perguntou se isso seria um problema. Eu disse que não. Só que hoje, especialmente, ver o tamanho do texto que ela já escreveu em menos de 5 minutos de consulta me preocupou.
– Vamos lá, Gabi. Júlia. Você tem consciência de que tudo o que está sentindo é fruto da dependência emocional que você causou, certo? Conversamos sobre isso na última vez.
– Sim. Eu vim até ouvindo um podcast sobre isso. Eu me identifico com tudo, tudo mesmo, concordo sem tirar nem por, mas cara… É tão difícil. Eu me sinto muito sozinha, mas ao mesmo tempo é uma saudade tão grande que tenho dela, é um desespero, uma sensação de desamparo, tão forte que sinto quando a vejo online e, ao mesmo tempo, tão distante… - minha voz embarga. – Eu só queira uma resposta. Só queria saber o porquê que ela não me atende e não me responde mais. Ela parecia tão à vontade comigo, a gente se dava tão bem. Ela me deu uma segurança especial, então eu me entreguei, assim, por completo, sabe? Ela me entendia bastante, me dava esse espaço. Só dela me ouvir eu já me sentia acolhida. Ela tinha um olhar, um cheiro, um abraço, tão acolhedor…
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Júlia
ChickLitA gente vence a dependência emocional não pela força do ódio, mas por uma consciência radical de algo que a gente sabe que não suporta mais. Vencemos pela aceitação da quebra de um ideal que sempre buscamos e sempre mantemos. A dependência emocional...