Prólogo

10.1K 949 182
                                    


Quando criança, eu tinha medo de tempestades. Eu chorava sem parar enquanto os trovões caiam rasgando pelos céus, me escondia embaixo da cama e deixava minha mãe louca de preocupação.

Quando criança, não sabia quem era meu pai. Uma empregada sem nome que servia a casa Baratheon em Ponta Tempestade não era digna de se casar com o nobre que a deflorou. Não era digna o bastante para que ele cumprisse todas as promessas que lhe fizera e muito menos digna do amor de Daemon Targaryen.

As juras de amor eram falsas. Todas temporárias, efêmeras como uma paixão tola e fracassada de verão. Apenas mais um caso para um homem poderoso, que não soube da minha existência por longos e lindos doze anos.

Minha mãe, tola e apaixonada, o procurou em seu leito de morte. Temia pelo meu futuro e implorou a Daemon para que aceitasse sua bastarda suja. Pediu perdão pelo nome valiriano que decidiu me dar, suplicou para que me reconhecesse como sua filha... que não me deixasse morrer de fome.

E eu quase morri. Minha mãe partiu quando tinha apenas dez anos de idade. Morreu segurando papel e caneta entre os dedos frágeis. Morreu enquanto escrevia outra súplica, outra carta que me fizera prometer a ela que enviaria a Daemon. Seu corpo não teve forças para terminar de escrever, a letra tremida e feia morria em algo ilegível, mas levemente compreensível

"Sua filha... me perdoe, mestre Daemon, mas lhe dei o nome de Visenya... caso a reconheça como legítima....proteja minha menina... minha menininha.... Minha Visenya... aceite nossa fil~"

Mamãe morreu antes de terminar a carta. Perder a única pessoa que me restava nesse mundo era doloroso e o luto me fazia engasgar. Mas as responsabilidades que caem no colo de uma criança problemática são diferentes.

Fui incapaz de sair de perto do corpo de mamãe. Gritei com que queriam tirá-la de mim. Porém, apesar de tudo, eu não conseguia chorar. Estava arrasada, mas as lágrimas não saia.

O severo estado de choque que me atingia me fez dormir acordada em cima do cadáver, segurando a carta nova e cogitando enviar mais uma para Daemon.

Era coisa demais para uma criança suportar.

Mas tive sorte. Meu exímio pai me buscou quase dois anos depois e por respeito apenas agradeci em silêncio.

Mesmo que eu o odeie. Não demonstrarei nada além de gratidão.

Lembro-me do dia em que meu pai me buscou. Do barulho dos cavalos e dos murmúrios da cidade fedida. De como ele não saiu da carruagem, mas colocou as mãos no meu rosto e disse que eu era a cara da minha mãe, e que eu tinha herdado os olhos valirianos. 

— Visenya... — Meu nome dançava em sua língua, com uma comoção que nunca soube ser verdadeira. — Se soubesse de você antes...

"Não teria sido diferente." Engoli a vontade de responder. Meus olhos violetas encaravam os de Daemon, impassíveis e vazios, descrente de todas as promessas que ele me sussurrava enquanto sorria. Haviam sido essas promessas que deram a minha mãe uma morte miserável, que me deu uma vida miserável.   

Encostei a cabeça na pequena janela, me despedindo silenciosamente da minha antiga casa na parte mais pobre de Ponta Tempestade. O balançar começou a ficar mais suave na medida em que nos afastávamos das ruas esburacadas e enlameadas, a água suja da sarjeta espirrando nos curiosos que se aproximavam.

Sentia meu coração bater mais forte. Estava nervosa e não sabia ao certo até onde Daemon estava disposto a me levar. Ele mantinha os olhos em mim, com um sorriso bobo no rosto. Não conseguia acreditar na possibilidade de ser verdadeiro. Meus cabelos eram escuros e rebeldes, e coçavam por conta dos piolhos. Tive vergonha de coçar em sua frente, então esfreguei a cabeça lenta e discretamente nas paredes de madeira da carruagem tentando buscar algum alivio. 

Puxei o vestido para cobrir as canelas e esfreguei os pés descalços, pensando em como eu deveria estar uma bagunça e em como os olhares de julgamento dos nobres me deixariam ainda mais nervosa. Tive vontade de me esconder em baixo da cama, onde fazia durante as tempestades horríveis que caiam aqui em Ponta Tempestade. 

Senti meus olhos marejarem, mas respirei fundo para tentar me acalmar. 

— Você vai adorar seus irmãos. Você tem irmãos, sabia? 

O olhei em silêncio, sem coragem para responder e um pouco irritada com a intimidade forçada. Crescer aonde cresci, cuidar de uma mãe doente e de um lugar problemático te faz esperta e madura. 

— Não é de falar muito, pelo visto... — Daemon murmurou, e me senti desesperada pela primeira vez. Eu deveria falar mais? Deveria acreditar que ele era uma boa pessoa? Deveria esperar que ele me amasse como ama seus filhos legítimos? 

Talvez eu quisesse ser amada.

— Aguardo ansiosamente para conhecer meus irmãos, príncipe senhor.

Me embolei para falar. Gaguejei a última parte e não soube o que fazer quando ouvi o Targaryen rir. Pelos Sete, por que não me levaram junto com minha mãe?

— Você realmente lembra muito sua mãe.

Não sabia se isso era algo bom, mesmo que houvesse um pouco de ternura em suas palavras. Eu não passava de um estorvo, uma bastarda suja. Os nobres me assustavam, Porto Real me assustava, absolutamente tudo, naquele momento, me assustava.

E quanto mais saíamos das terras da tempestade, mais meu coração gritava de pavor e desespero. Quanto mais saíamos do meu antigo lar, mais eu colocava na minha cabeça que eu precisava ser forte, que eu precisava erguer a cabeça e ser aceita por todos, antes que os Targaryens e seus dragões me comessem viva.

Afinal, por mais que seu sangue azul corresse em minhas veias, eu nunca deixaria de ser uma bastarda Storm.

Storm - Aemond TargaryenOnde histórias criam vida. Descubra agora