8 | A semana é santa; Eu não.

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12:25h  Chelsea; Londres - Feriado de Páscoa

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12:25h  Chelsea; Londres - Feriado de Páscoa

O vestido azul  sobre o cabide balança com o vento agitado que vem da varanda. O par de saltos nude está logo à abaixo e seguro a toalha em meu corpo, sentada na cama. A minha garganta seca me dá a sensação de que estou engolindo facas e meu reflexo no espelho destaca o arroxeado das minha olheiras. Não tenho dormido bem desde que cheguei.

A imagem refletida no gasto e descascado espelho preso a parede, parece me revelar a figura de uma estranha. Alguém que eu não reconheceria, alguém que não sou. Eu sinto que estou me tornando solúvel ao meio, que estou me desintegrando e me tornando parte. Do que? Eu nem sei, mas me assusta. Um passo longo que me parecia cauteloso me trouxe ao desengano. Me trouxe até estas pessoas, que todos os dias ao acordar me pergunto quem é e de quem si trata.

Hoje é sexta e faz um pouco mais de três semanas completas que estou aqui, mas ainda não me sinto parte daqui, não me sinto parte desse grupo que agrego, apesar da minha solubilidade. O dinheiro tem sido escasso, tanto quanto o misero grão de pão que resta sobre a mesa. Sempre que passo pela rua do Capucho, nome de um padeiro que bate nos meninos com colher de pau, me pergunto que mal faria se eu roubasse apenas algumas frutas. Mas em Chelsea o roubo é passível de punição e a punição é a violência.

Hoje é um ótimo dia para comer. As meninas, certamente se empanturraram com tanta comida que mal conseguiram andar. Talvez fiquem mais fortes para quando o bordel abrir amanhã, visto que desmaiar por aqui se tornou sinônimo de virilidade, dos cliente é claro. Tão cheios de si e de ego, mal notam as saboneteiras nos corpos tão magros que seriam dignos de sopa.

O cheiro do peixe assado incendeia toda a casa e as risadas do andar de baixo invadem o quarto. O dia está ensolarado e as pessoas parecem feliz, todos estão felizes, exceto eu. Não vejo razão para tamanha alegria, esta, dada a nossa situação me parece apenas patética. Talvez a razão para meu total desgosto pela felicidade seja a minha amargura de alma.

Um bolo se forma em meu estômago com o metal gelado da arma em minhas pernas, seguro o instrumento pesado e aponto para o meu reflexo no espelho. Eu não pareço minimamente perigosa ou intimidadora.  Apoio a arma de volta na cama e tateio o pequeno bilhete com letras que parecem ranhuras, aparentemente alguém apressado ou que apenas faltou as aulas de caligrafias.

"Feliz dia de ação de Graças. ps: Harry"

É um ótimo presente para uma data religiosa.

  ── Você viu os guardanapos? Tenho quase certeza que os deixe por aqui. ── Cece  adentra o quarto abruptamente e rapidamente arrasto a arma para baixo da minha toalha.

Ela esteve incrivelmente insuportável nos últimos dois dias com a chegada da Páscoa, a necessidade de ter uma família montada e amorosa, mesmo que ela seja feita de mafiosos e prostitutas, me irrita. Tudo na Páscoa me irrita, odeio as comida, os presentes e as orações, odeio as restrições completamente estúpidas como se um único dia de santidade excluísse todos os outro dias de pecados.

CHELSEA - A Ascenção De Um Narco (H.S)Onde histórias criam vida. Descubra agora