Carmella olhou-se no espelho e notou pequenas protuberancias em sua cabeça, da qual escorria sangue. No início, quando recém notara, pensou que fossem galos desses que crescem quando se bate o cuco forte demais, mas não era bem aquilo e a garota teve certeza naquele momento.
Eram chifres. Dois pequeninos chifres.
Saiu correndo do quarto, desesperada para mostrar para sua amiga. Caramba, ela tinha chifres! Aquela era a melhor coisa que poderia lhe ter acontecido naquele verão.
Enquanto a pequena Carmella corria descalça pelos corredores da Orfanato Imaculada, Maria Fernanda estava na biblioteca. Assim que a primeira adentrou o recinto, a mais nova viu.
- Kaká, sua cabeça está sangrando! - disse a pequena, levantando da cadeira em que estava sentada.
Maria Fernanda era uma criança mais baixa que a maioria, e não era muito boa em se enturmar. Isso porque as outras crianças achavam estranho que a menina tinha orelhas de coelho e pés também de coelho. Mas enquanto os demais tiravam sarro dela, Kaká dizia que ela era a melhor amiga do mundo.
- Eu sei, não é demais?! E olha aqui mais de perto. São chifres que estão nascendo!
- Caramba, é verdade!
- Não consigo parar de sorrir. Isso é simplesmente incrivel! Estou crescendo e nem imaginava algum dia que teria chifres.
- Você mostrou para mais alguém?
- Não, queria que fosse a primeira a ver.
- Bom, acho que já vi, então vamos no escritório da Laga Dyga antes que você perca mais sangue.
- Não está doendo, por incrível que pareça. E acho que a Laga Dyga não está. Quer dizer, ela tem ficado ocupada com todas aquelas missões especiais.
Enquanto Carmella falava, Maria pegou um lencinho de papel de seu bolso e estendeu a mão para limpar pelo menos um pouco do sangue que corria pela face da outra.
- Já faz alguns dias que ela está dando bandas em horários aleatórios.
- Sobre isso, queria te mostrar algo. - Mafê segurou a mão da amiga e a trouxe para perto do livro que estava lendo. - Laga Dyga quer que eu comece a estudar sobre armas e estratégias de ataque. Não é demais?!
- Armas e estratégias? Mas isso não é só para crianças mais velhas?
- Sim, mas ela acha que já estou pronta. Está vendo esses desenhos aqui? São todos tipos de arcos diferentes. Arco e flecha. Incrível, não? Por enquanto estou lendo somente a introdução, mas começando agora, posso evoluir bem rápido.
- Puxa, Mafê! Mas qual a utilidade de usar isso agora?
- Laga Dyga não deixou bem claro, mas espero que fale logo, porque também estou muito curiosa para saber o motivo.
De repente um objeto passou voando entre as duas. Uma cápsula metálica cor-de-rosa que caiu no chão a alguns metros de distância das garotas. Assim que caiu, a cápsula começou a tremer e se abriu, expondo uma mola dentro e soltando um pó branco pelo ar.
- Droga! - As duas amigas viraram na direção da voz que vinha da entrada do cômodo. - Era pra ter liberado muito mais farinha.
- Marti, você quase me matou de susto - disse Carmella. - E quase atingiu meu rosto.
- Desculpa. Estou tentando fazer uma bomba já faz dois meses, mas até agora tudo que consigo fazer são esses projetos estúpidos.
Martina entrou na biblioteca e recolheu a cápsula metálica do chão. A menina usava um pano que cobria seu rosto do nariz para baixo. Dizia ela que era para se proteger dos produtos com os quais trabalhava para fazer as bombas de brinquedo, mas não fazia muito sentido, já que todas eram feitas de farinha ou algum material inofensivo.
Somente alguns segundos depois ela notou o sangue e os chifres na cabeça de Kaká.
- Uau! Você tem chifres!
- Eu tenho chifres! - respondeu a dos olhos azuis.
- Posso pegar um pedaço deles para ver a resistência do material e outras propriedades?
- Não. - Carmella olhou feio para Martina e protegeu seus chifres com as mãos.
- Ok. Quando mudar de ideia me avise.
A menina saiu da biblioteca com seu brinquedo.
- Não sei se algum dia vou chegar a entender ela - comentou Maria. - Mas deixando isso de lado, vamos fazer o seguinte: esperamos até o horário da janta para contar para Laga Dyga, ok? Acho que vai ser legal ver a reação dela.
- Mal posso esperar!
Carmella estava muito eufórica ao sair da biblioteca com o pensamento de mostrar para todas as outras crianças do Orfanato Imaculada seu pãezinhos de chifres. Mas quando saiu um pensamento a acompanhou: em todos aqueles anos, Laga Dyga, a mulher que cuidava de todas crianças dali, nunca permitirá que Kaká tivesse acesso a estudos de estratégia e de armas.