O momento em que abrem o coração

29 2 0
                                    

Levito em êxtase enquanto a menina me conduz ao bar. De vez em quando ela inclina o pescoço para trás e nossos olhares se cruzam. Adônis sorri
nessas ocasiões, desviando de transeuntes cambaleantes em um Titanic cada vez mais cheio.

Sua mão é quente, macia, sem vestígios de calos ou aspereza. Contra a minha, é como se desenhasse um encaixe perfeito, natural, de modo que logo fica inegável que há algo realmente acontecendo entre nós.

É um tipo de energia cuja vibração não consigo explicar, que não entendo propriamente.

Nunca senti isso antes; esse frio na barriga desenfreado, essa atração improvável por alguém que
acabei de conhecer.

Adônis me leva até uma mesa vazia. É iluminada com luz neon e cercada por dois sugestivos banquinhos de madeira: um cenário tão perfeito que mais parece um set de filmagem preparado
para a gente.

— Linda— ela diz. — Quer sentar aqui enquanto pego nossas bebidas?

— Claro! — Meneio a cabeça freneticamente demais, ainda preso no “nossas”, na suavidade quente do plural.

— Alguma preferência? — Adônis pergunta.

— Desde que não seja vinho, porque sou alérgico, não precisa se preocupar comigo.

— Deixa de charme! Faço questão. — Estamos perto o bastante para que eu possa sentir seu hálito rescindindo a pastilha de melancia e promessas, o que me deixa sem jeito.

— Bom, pode ser uma aguinha com gás.
Adônis ri alto. O som de sua risada é contagiante, irresistível.

— “Água com gás”? Sério? — replica.

— Oxe, e qual é o problema?

— Não quero parecer mandão, mas você não vai beber água. Até porque — Adônis ergue uma das sobrancelhas — eu disse que te pagaria uma bebida .

— Desde quando água deixou de ser bebida?

— Água não se enquadra no que ofereci antes.

— Se água não tá valendo, você se refere ao quê?

Um ar traquino envolve Adônis, que não cai no meu jogo. Ela diz:

— Muito bem. Farei as honras e escolherei por nós dois. É até melhor.

— Por quê?

— Porque me dá a chance de te surpreender.

Não é uma tarefa muito difícil , penso em dizer. Minha resposta é mais boba:

— Isso deveria soar animador?

— Não exatamente — Adônis diz, misteriosa —, mas relaxe. Você vai gostar.

— Só não se perde no caminho, moça — eu digo.

— E você não vai embora sem mim, ok?
Como se eu pudesse. Separando pela primeira vez nossas mãos, a mulher sussurra um “já volto” e vai comprar as
bebidas.

Estar sozinha desde que s encontrei me permite surtar à vontade, então lá vai:
O QUE TÁ ACONTECENDO ?

Em um instante eu estava caindo no chão do banheiro, no outro Adônis me
guiava pelo Titanic.

Não duvidaria se alguém contasse que, na verdade, sou um personagem do The Sims controlado por uma entidade superior desconhecida (quem sabe uma adolescente viciada no Twitter e nos livros do John Green).

Essa nada desastrosa realidade onde eu e ele flertamos reciprocamente é uma falha na Matrix. Quase como se tivessem usado um código MOTHERLODE para trapacear no jogo e me conceder bonança infinita, sabe?

Enquanto eu não te encontro - JenlisaOnde histórias criam vida. Descubra agora