Malia
Vinte minutos depois, estávamos no carro de Lina a caminho de nossa padaria preferida. Quando Lina deu a ideia nem tentei protestar, sabia que não conseguiria e ela não sairia do meu lado.
Lina é mais velha que eu e o resto das meninas, por isso já tem 18. Ela viaja muito, então acabou perdendo um ano na escola, o que nos deu a sorte de tela conosco.
Ela está em silêncio, concentrada na rua, para não acabar batendo o carro de novo. O sol está entrando pela janela, bate na lateral de seu rosto, a deixando ainda mais linda.
Em momentos assim adoro observá-la. Lina é bem expressiva, o que a deixa ainda mais cativante. Tem os cabelos pintados em um tom de rosa bem pink, vibrante, tem olhos verdes mel que lembram a praia em um fim de tarde calmo. Ela é um pouco mais alta que eu, e é a pessoa mais descontraida e calma que tenho em minha vida.
Ela é extraordinária.
É a pessoa mais despreucupada do universo, perdendo talvez só para Amélia. Ela ama desenhar, o que explica os incontáveis desenhos espalhados por todos os cantos do carro. Sou tirada de meus pensamentos pela voz de Lina dizendo meu nome.
-Malia. Estava pensando no que? Te chamei umas três vezes.
-Nada de importante - lhe dou um sorriso triste e olho para a janela vendo que já chegamos.
-humm. E por acaso já quer me contar o que aconteceu com você? Ou melhor, o que sempre acontece e você se recusa a falar?
Respiro fundo, sabia que ela ficaria pensando nisso, por isso que odeio que me veja mal.
-Não é nada. Tive uma semana ruim e um dia pior ainda, e não sei lidar bem com isso.
Ela solta um resmungo e se recosta no banco, Cruzando os braços. Ela está irritada. Odeio quando fica irritada. Ela nunca fica, então quando está é por que é serio.
-Sabe Malia, não tem como te ajudar se você continuar sendo tão vaga, você nunca diz nada, as vezes sinto que nem conheço você.
Ela fala sem nem me olhar nos olhos, sei que não gosta de falar assim comigo. Mas também sei que está certa no que está dizendo, mesmo não querendo que pense assim.
-É claro que você me conhece Lina, é minha melhor amiga. Eu só... odeio falar dos meus problemas... da minha vida. Se eu falar tudo se torna real.
Ela finalmente se vira e me olha. E pela expressão em seu rosto, lá vem coisa. Lina é incrivelmente boa em esconder os próprios sentimentos, mas quando se trata de alguém que ela gosta sua expressão a entrega na hora.
-Odeio ter que falar essas coisas, mas é verdade Malia. Tem partes suas que conheço completamente, e outras que não tenho nem migalhas. O porque mora com sua tia e não seus pais, porque odeia tanto ir para casa e porque nunca leva ninguém lá, porque tem crises de ansiedade e ataques de pânico constantes, mas ninguém a leva em um psicológo.
Queria contar, realmente queria, mas não consigo. tento responder todas as perguntas que são lançadas sobre mim, mas não consigo. Não consigo porque elas me quebram, uma a uma elas me quebram. Então só respondo a última, porque é uma resposta fácil. Uma com que convivo todos os dias, o tempo todo.
-Porque ninguém se importa- falo sem a olhar nos olhos, se olhasse sabia que desabaria ali, exatamente como a covarde que era, mas não iria deixar isso acontecer, odiava ficar assim tão vulnerável na frente dos outros, odiava ser fraca -Parece que ninguém se importa a muito tempo.
-Eu me importo- Lina fala de uma forma que demonstra que se quebrou com minha resposta tanto quanto eu com suas perguntas- E a lore, a Amélia, a Less, a Drika, são todas suas amigas que se preocupam e... EU ME IMPORTO POHA! E é por isso que quero que fale, que me conte o que tanto guarda para si. O que faz você ficar se afastando de nós.
-É complicado ok?- falo e dou um suspiro -Não quero falar sobre isso agora. Daqui a pouco eu ainda tenho que trabalhar, juro que vou te contar tudo em algum outro momento, por favor.
-Ok.- Ela abre a boca como se fosse falar algo, mas então a fecha, só para voltar a abri-la segundos depois -Quero que me conte no final de semana. Se quer que eu te leve para pegar comida e pro trabalho enquanto ignoro tudo isso, vou fazer. E posso fazer isso pelo resto da semana, mas quando a semana acabar quero a verdade. Nem que seja uma parte dela.
Não sei de três dias é o suficiente para eu me preparar para isso, mas talvez tempo algum fosse suficiente. Quando se guarda uma verdade assim por muito tempo, você passa a misturar a realidade e os pesadelos. Passa de algo nítido em sua memoria para alguns flashes conturbados.
E falar sobre algo muito adormecido dentro de mim talvez traga essas memórias de volta, acorde esse pesadelo e o traga para vida real. E não sei se é algo que eu conseguiria suportar.
Mas não dá para fugir de mim mesma para sempre, e se vou ter que acabar falando com alguém, gosto que esse alguém seja Lina.
-Tudo bem.- Falo finalmente.
-Sabe que só insisito porque gosto de você, e seja o que for, você tem que encarar antes que isso destrua você. -ela me dá um sorriso triste e então faz o que prometeu, volta a fingir que não tem nada de errado, que eu não sou toda errada. -Agora vamos logo que eu estou faminta, e já já a gente tem que ir para o inferno onde você trabalha.
-Eii, nem é tão ruim. - falo voltando pra segurança da minha mascara, pros sorrisos falsos, do "estou bem", quando não tem absolutamente nada bem.
-É uma loja de 1,99. É claro que é ruim, agora vai logo ou vamos morrer de fome- Fala já abrindo a porta do carro.
-Lina?- Ela se vira para mim, então a abraço, quase me jogando em seus braços. Fico uns segundos assim, dou um beijo em sua bochecha e me afasto, estendendo o dedo indicador.
Lina me observa por uns instantes, e então da um sorriso de canto e junta o dedo ao meu.
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𝑂 𝑛𝑜𝑠𝑠𝑜 𝑐𝑎𝑜𝑠
Romance"Comecei a chorar desesperadamente, e soquei com tudo o vaso, acho que machuquei a minha mão, mas não é certeza, minha visão está totalmente embaçada, sei que tem muito barulho em volta, porém não consigo identifica-lo, meus sentidos estão muito con...