Capítulo 1

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Krýo

A luz do Sol entrou pela janela do quarto, me despertando para mais um dia. Me espreguicei na cama e virei para o lado, dando de cara com Hidromel, meu gatinho. Sua pelugem era negra e seus olhos também. Toquei o nariz dele com o indicador e Hidromel abriu os olhos, me encarando.

- Bom dia, filho - Murmurei - Dormiu bem?

Ele deu um miado fino e bocejou. Atrás dele, na mesinha de cabeceira, estava uma pintura dos meus pais: Ela, de braços cruzados com o uniforme do exército da rainha, encarava o pintor. Meu pai a abraçava pela cintura com um grande sorriso. Retribui o sorriso para os dois e estiquei o braço para passar a mão na pintura.

- Bom dia, pai e mãe.

Fiquei encarando-a e desejando ardentemente que ela respondesse, ou que algum dos dois entrasse pela porta do quarto com um bolo quentinho ou só um abraço, mas é claro que não aconteceu. Mortos não voltavam a vida. Suspirei para afastar os maus pensamentos e levantei dando início ao meu dia. Saí cantarolando pela casa e dançando pelas escadas, pensando em como seria bom ajudar os aldeões.

- Bom dia, escada! Bom dia, fogão! Bom dia, mesa!

Cumprimentei todos os móveis que me faziam companhia todos os dias e saí rodopiando pela cozinha, pegando um balde pelo caminho. Abri a porta da frente e sai correndo pelo gramado, sentindo os raios de Sol esquentarem a minha pele e me deram bom dia.

- Bom dia, Sol! - Gritei, sorrindo - Obrigada pelo seu calor!

Adentrei a floresta perto de casa, respeitando seu silêncio. Eu gostava de pensar que a floresta era mágica e que ao adentrá-la, eu virava uma espécie de fada. Com passos leves que uma fada teria, fui andando devagar pelas folhas verdes embaixo dos meus pés e olhei para a copa das árvores, sempre boba com sua imensa beleza. Os raios de Sol adentravam entre as folhas, iluminando tudo ao meu redor e tudo parecia brilhar... Ou era só a minha imaginação de novo? Passei a mão por um dos troncos, dando um bom dia baixinho para a macieira que crescia perto da minha casa. As maçãs em seu topo estavam convidativas, mas eu já havia colhido os morangos no dia anterior que eu precisaria para fazer os bolinhos de hoje. Passei pelos belíssimos e imponentes troncos grossos e cheguei até o riacho perto de minha casa. Abaixei, tirando o vestido do caminho, e enchi o balde para o meu banho. Olhei para o riacho, olhei para o balde, olhei em volta... E me despi rapidamente. Uma fada teria que tomar banho em sua casa, não na casa de um humano! Ouvi um miado fininho atrás de mim e me virei. Hidromel vinha andando entre as árvores, esperando seu café da manhã.

- Vou pegar uns peixinhos para você, filho!

Ele me olhou atentamente como se entendesse o que eu falava. Sorrindo, coloquei o pé na água, depois o tornozelo... Depois pulei de vez, dando um gritinho fino. Fui arrebatada pela frieza matinal da água. Mergulhei até ficar toda embaixo da água e deixei meu corpo afundar. Abri os olhos embaixo da água vendo os pequenos peixes passando, as pedras em seu fundo, vendo algumas plantas submersas... O mundo selvagem era extremamente belo. Alguns peixes passaram pelas minhas pernas e pelos meus braços. Curti a sensação. Era como se eu e o riacho fôssemos um só. Aguentei até onde meus pulmões deixavam. Vim a tona ofegando, porém sorrindo. Hidromel já estava com a pata na água, aparentemente nervoso.

- Oh, filho - Falei, rindo e nadando até ele - Você não será órfão! Esse cargo já é meu!

O gato virou a cabeça para o lado.

- Piada de mau gosto? - Perguntei. Ele começou a lamber pata - Vou levar isso como uma afirmação.

Nadei um pouco pelo riacho, esfregando meus braços e pernas na água límpida e corrente, peguei alguns peixes para Hidromel e depois do que pareçam horas para mim, decidi sair da água. Torci meus cabelos longos para tirar o excesso da água, peguei as roupas nos braços e fui andando nua pela floresta, me sentindo parte de tudo aquilo. Respirei fundo o ar da manhã, senti as folhas embaixo dos meus pés, observei melhor as árvores e suas copas longínquas... Aquela paz. Era assim que eu queria viver para sempre. Bem, eu morava um tanto longe da vila, então não corria o risco de ninguém me ver nua ali. A não ser que alguém passasse de cavalo, mas aquilo era quase impossível. Passei pelos portões do jardim e parei apenas para estender meu vestido e deixar o balde no chão, onde Hidromel podia pescar seus peixinhos matinais como sei que ele gostava de fazer. Andar aquele pequeno percurso me deixara um tanto que seca, mas ainda sim passei a toalha pelo corpo e os cabelos, me penteei, coloquei o vestido e os sapatos, ajeitei meus cachos e comecei a fazer os bolinhos para distribuir na cidade.

REDENÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora