Capítulo 1

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         É sobre o momento em que eu deixei de sobreviver para viver.


     A rua silenciosa e pouco iluminada da Rocinha era estreita, e as subidas faziam meus pés calejados doerem. Talvez fosse o sapato um numero abaixo do meu, ou a sola completamente gasta, talvez seja pelo fato de eu estar em pé a quase 19 horas, ou talvez seja uma combinação disso tudo. 

   Já era uma da manhã de uma madrugada de sexta, o som do baile da favela ecoava de longe pelas ruas. Essa parte da favela era mais vazia em dias de baile. O outro lado da favela estava lotado de moradores e gente de fora da favela que vinha as vezes de longe para apreciar o show. Esse era o único momento em que os traficantes abaixavam as armas para receber turistas. O comercio local e os traficantes saiam ganhando com essas festas, e em dias assim tudo era mais pacifico por aqui, por mais estranho que isso possa parecer.


  Assim que parei na porta do barracão escutei o som da TV ecoando pela porta fina de metal. Os gritos dos meus dois irmãos também ecoavam de longe. Ótimo, mais uma briga que eu teria que lidar depois de um dia cansativo. Coloquei a sacola de compras no chão para destrancar a porta e assim que entrei vi a cena do Pedro com os dedos enrolados no cabelo da Penelope e ela com o pé na cara dele. Eles pararam assim que me viram, como se tivessem vendo um fantasma. 


Sem dizer uma só palavra levei as compras até a cozinha, onde tirei item por item e comecei a organizar nos armários. Logo os dois anjinhos apareceram na porta me olhando, muito quietos e silenciosos, ali eu soube que eles queriam algo. Parei de frente eles e os encarei, esperando que eles falassem.


- O colégio quer levar a gente em uma viagem de acampamento nas ferias. - Penelope disse rapidamente, quase perdendo o fôlego.

Ótimo, eles iriam me pedir dinheiro mais uma vez, mesmo sabendo que não tenho nem para o básico.

- Eu não tenho dinheiro Penelope, me desculpe. - falei baixo.

- Mas Theo é só 250 reais por aluno. Olha, eu e a Pe... Nem é tão caro assim - Pedro disse já desesperado.

- Nem é tão caro assim? - Ri com sarcasmo. Eles não podiam estar realmente falando sério.

- Eu sei que você separa um dinheirinho. - Disse Penelope fazendo bico de manhã

- É... Para comprar roupa pra vocês, pagar os lanches na escola e pra comprar remedio caso vocês fiquem doente. Não pra vocês... - Parei de falar e observei os dois adolescentes a minha frente. Eu perdi toda a minha adolescência trabalhando, sofrendo, lutando, não pude estudar e nem ir em festas, nem mesmo na escola e acampamentos de férias, eu realmente não queria que eles perdessem tudo como eu perdi.

- Por favor Theo.

- Tudo bem. - Se eu trabalhasse um pouco mais, eu poderia pagar por isso, por eles.

- Obrigada Theo - Penelope pulou em cima de mim me abraçando e senti os braços fortes de Pedro logo atras. 


     Logo ambos me soltaram e voltaram para a sala em um clima mais harmonioso e feliz, enquanto conversavam animados e faziam planos para as ferias.

    Preparei o jantar dos dois adolescentes, enquanto observava os dois.

   Penelope era uma adolescente bonita, se preocupava muito com aparência e sua estética. Ela era uma adolescente padrão. Não muito diferente de Pedro, que mesmo sendo mais novo que eu era o dobro do meu tamanho. Ele fazia parte do time de luta do colégio, era forte e se preocupava muito com a saude, estava sempre treinando. Isso de alguma forma de aliviava, ver a cabeça dos meus dois irmãos mais novos sempre ocupada com coisas de adolescentes, eles eram sonhadores, mesmo ambos sendo da favela. 


     Mante-los longe do trafico e com uma boa educação era meu objetivo desde os meus 14 anos de idade, quando eu parei de estudar para trabalhar e cuidar das duas crianças. Apos o falecimento da nossa mãe não me restou muitas opções. Meu pai morava com a gente, mas ele nunca deu um só centavo para nossa educação, nem mesmo para comida. E eu não podia deixar meus irmãos mais novos morrer de fome. Minha mãe me pediu em seu leito de morte para cuidar de ambos e é isso que tenho feito a quatro anos.


Após colocar os dois porquinhos para tomar banho e arrumar toda a bagunça da casa, me deitei no sofá, onde também era a minha cama para descansar um pouco antes de ter que levantar novamente para trabalhar. Poucos minutos depois ouço a porta abrir com um estrondo e me encolhi no sofá me assustando já imaginando o que vinha pela frente.

- Cadê minha comida Theo? - Escuto um grito rouco do meu pai entrando na casa e indo direto pra cozinha. Desci do sofá para o chão e me encolhi atras do sofá, na esperança que meu pai não me achasse, eu não queria apanhar novamente. - Garoto inutil, não faz nada o dia todo e não pode deixar um prato de comida pra mim. THEO - Ele gritou novamente me fazendo encolher ainda mais.

 Escutei som de coisas se quebrando na cozinha, coisas de metal e plastico serem jogadas no chão e foi assim por horas ate ele cansar de gritar e quebrar coisas e finalmente entrar pro quarto. 


Naquela noite eu não preguei os olhos por um minuto se quer com medo que ele acordasse e tentasse algo contra mim. Eu sabia que ele não faria nada com meus irmãos porque eles estavam trancados em seu quarto como eu os havia orientado a quatro anos atras, e o real objetivo do meu pai não era eles. Era eu. Ele me odiava.


RocinhaOnde histórias criam vida. Descubra agora