-Ele está lá embaixo - a loira começou - e disse que não vai embora até conversar com você.
Sam rolou os olhos, segurando a borda da mesa com uma força imensurável, sentindo as unhas estralando na madeira crua. Nas últimas duas semanas tinha dado o seu melhor para se manter na sombra, sem ser notada por ninguém, mas parece que seus esforços foram em vão. O que explicava o homem com pinta de urso bravo na sala de estar.
-Eu não quero falar com ele.
-Sinto muito, querida, mas deveria ter pensado nisso antes de ser rude com ele.
Ela assoviou.
-Foi isso o que ele disse?
Joane, ou Ann, como gostava de ser chamada, era uma mulher de meia idade que mais parecia ter acabado de sair da faculdade, com pinta de mulher madura, mas com um ar jovial que nem mesmo a sobrinha tinha mais. Ela sempre ignorava quando alguma coisa estava errada em relação a Sam, porque sempre soube que ela não era muito de se abrir.
Só que naquele momento se odiou por ter ignorado o que acontecia por tempo demais.
-O que aconteceu, realmente, Samantha? - Ann colocou sua melhor cara de tia preocupada e sentou-se na cama.
Sam limpou a garganta, tentando não soar rude demais.
-Bom, digamos que a generosidade da Vila se resume em caronas com a "boa gentileza" de caras como o que está no seu sofá, tia.
-Não me diga que...
Sam assentiu com pesar e levou as mãos até a barriga, onde os hematomas ainda doíam. Os olhos de Ann ficaram úmidos e vermelhos, de raiva e pena. "Minha pobre menina, quando o mundo vai ser gentil com você?".
-Por que não me disse nada? - Ela ergueu a voz. - O que ele fez é um crime, Samantha!
-Do que adiantaria? Algumas noites bebendo com o delegado e rindo as minhas custas, e depois? Ele sairia e faria a mesma coisa, comigo ou com qualquer outra menina?!
-Mas...
-Ele é daqui, tia Joanne. Eu, não. Sou apenas mais uma de fora que não vai passar tanto tempo, assim como meu pai. - Sam embargava a voz, segurando as lágrimas que tentavam furiosamente sair dos seus olhos. - É a casa dele, não a minha.
A mulher de meia idade apertou os nós dos dedos, no ínfimo, gostaria de acertar um ou dois socos na cara debochada do grandalhão lá embaixo, no entanto, foi obrigada a usar de sua "boa gentileza", como a sobrinha colocara, para mandá-lo embora na ignorância. Por ora, ele deveria gozar da sorte, por ora.
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A História de um Anjo
Romance"E a sua cauda levou após si a terça parte das estrelas do céu, e lançou-as sobre a terra; e o dragão parou diante da mulher que havia de dar à luz, para que, dando ela à luz, lhe tragasse o filho." (Apocalipse 12:4)