A viagem

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20 de Outubro de 2019

Uma vez, minha avó—com seu espírito livre de jovem que vagava não apenas pela sua cidade natal, mas pelo mundo em busca de um amor que a fizesse se sentir como uma adolescente de 16 anos— me falou que só conseguimos realizar algo que queremos, quando não definimos como um devaneio. Na época eu não havia compreendido direito, afinal, a mesma agia como se estivesse trilhando um caminho imaginário em que seus sonhos tornavam-se reais. Era inconsequente e agia de forma impensada! Exatamente como se adormecesse e não acordasse nunca mais de seus delírios—Era isso, minha avó Teresa era o oposto de mim. Ela, extrovertida e ousada e eu, introvertida e cautelosa. Há aqueles que dizem que isso seria perfeccionismo, mas eu apenas era prudente com determinadas situações em que poderia me pôr em perigo—. Então, consequentemente acreditava que tais palavras de minha vó, talvez significassem que eu deveria saber quais eram meus sonhos, entretanto, sempre me permitir vivê-los loucamente e não tratá-los como devaneios, ou seja, não os deixar ali, presos na alma. O sonho é algo que já habita em nós, portanto, devemos deixar ele nos guiar, florescer e assumir o controle como um automóvel automático. Todavia, com o tempo entendi o que aquelas palavras significavam. Os sonhos não passam de esperanças vãs, é ilusório. É algo sim da alma, mas que permanece ali, como uma utopia que nos ilude em um sono profundo. Eu quero escrever uma boa história, quero ser como minha avó Teresa, e para isso, preciso colocar como um objetivo, um alvo a ser alcançado, e não posicioná-los, ou melhor dizendo, titula-los como meros sonhos que me levem a instagnar, me impedindo de conquistar o que quero.
Se minha avó estivesse aqui, diria inspiradamente "Permita que sua alma viva a maior aventura que ela já viveu, ela lhe fornecerá uma história para contar ao mundo".
Eu passei dias e mais dias pensando em um jeito de escrever meu livro. Encontrava-me a beira do despenhadeiro sem saber sobre o que escrever e como começar, achava que estava no caminho errado, e que talvez devesse ler alguns livros de famosos para ter ideia, o que tornaria minha obra algo não original. Só que, de repente, de uma maneira adventícia, essa ideia surgiu. Me mostrando, que a única coisa que eu devia fazer, era destacar a paciência de mim, as coisas nem sempre vem de uma maneira imediata, assim como uma orquídea, o qual sabe esperar pela realização de seu objetivo, que seria regenerar, antes de lançar outra rodada de flores.

O dia estava lindo, pequenas rajadas de vento da primavera permaneciam rondando as ruas de Holambra, e o ar parecia mais leve que os anteriores após a entrevista no programa da Carmem. Havia um perfume adocicado vindo da janela de meu quarto, um cheiro da cerejeira do vizinho, que me fez querer ficar um bom tempo apreciando aquela manhã de outubro. E além de tudo eu podia ver diante de meus olhos borbulhar oportunidades em todas as coisas. Acordando disposta a achar uma história.

Passava horas do dia no escritório de meu pai, paredes brancas, piso de taco, -que foi posto nos anos 50 e meu pai não retirou por fazer parte de uma relíquia da casa-quadros de diplomas, da equipe com que trabalhou no hospital, e bem no meio de todos os outros, havia um meu e outro de minha mãe, posicionado na parede central acima da lareira empoeirada-Que nunca mais foi reacendida após a partida de meu querido pai-. E entre esqueletos, pastas e livros de diversos assuntos da área da saúde, sentei-me em um sofá de dois lugares e movi a ponta do nariz para o lado, pensando que eu poderia transformar o escritório dele, para que assim houvesse um espaço mais apropriado para eu escrever, talvez a inspiração surgisse desta mudança de ar! Pensando nisso, inicio as alterações, pondo os protetores nos pés dos móveis para não danificar o piso ao arrastá-los e assim, movendo certos móveis de lugar e me desfazendo de alguns. Mas, ao colocar a máquina datilografia na escrivaninha do meu pai, notei que aquele ponto era mais escuro do que em outra parede que havia uma passagem de ar. Então, dei a volta no móvel, arrastando a cadeira para o lado e começando a carrear a escrivaninha,-Bem pesada, por sinal-mas ao chegar no centro do escritório, a mesma estava a ser detida a prosseguir por um piso de madeira sobressalente, o que me fez pôr mais força para ela se mover novamente com a cautela necessária para não danificar o móvel, mas o resultado foi ela dar um pulo, com a força para subir o piso irregular e acabar virando de vez ao chão me levando junto. O estrondo alto poderia fazer os vizinhos questionarem o que poderia ter sido, mas nenhum procuraria saber pela vida insociável que levavam. O que não me incomodava, visto que é uma missão quase impossível você encontrar uma boa vizinhança. Basta abrir o sorriso para eles, que você se depara com os mesmos em suas casas como infestação de cupins.

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