Alice mal conseguia ouvir a voz de seus pais por trás dos gritos e das explosões do lado de fora. Eles estavam escondidos no porão de casa, desde que a notícia do fim para a humanidade foi apresentada em todos os jornais ao redor do mundo. Um incêndio violento se alastrava pelos cinco continentes, em decorrência do aquecimento global. Os governos mundiais não acharam uma solução rápida o bastante para impedir a infecção pulmonar de boa parte da população por razão da fumaça intensa que cobria os céus, deixando impossível distinguir o dia da noite. Após um triste apelo da sociedade global, os principais governantes do mundo decidiram que a solução mais fácil para todo esse sofrimento, era a exterminação da humanidade. Alguns achavam mais que merecido depois de todo o dano que os homens causaram ao planeta, mas era inevitável sentir medo e remorso com o fim se aproximando.
— Não chore, Eliah — sua mãe pedia ao irmão gêmeo de Alice, enquanto abraçava seu corpo magro e alto. — Vai ficar tudo bem.
Vai ficar tudo bem. Alice queria acreditar nisso, mas a dificuldade para respirar e a tosse constante a tornou descrente em qualquer tipo de esperança. Apenas dezessete anos, vivera apenas dezessete anos e já estava esperando a morte.
— Fique calma, querida. Vamos ficar bem — seu pai disse, quando percebeu que Alice tremia sob a penumbra do porão empoeirado e velho. A fumaça tóxica já entrava pelas frestas do alçapão que levava ao andar de cima, e também por furos na encanação. Nenhum dos dois irmãos dizia nada, eles só quebravam o manto de silêncio para tossir ou soluçar com o choro que se embargava em suas gargantas.
A atenção de todos, de repente, se voltou para o celular de Alice que apitava repetidas vezes. Com as mãos trêmulas, ela desbloqueiou a tela e um vídeo começar a rodar automaticamente. "Segue o crônometro universal para o alcance total do planeta, as explosões já começaram com o objetivo de exterminar a população de forma rápida e, possivelmente, indolor", disse uma voz feminina, antes de um bipe se iniciar ao fundo. A mãe de Alice apertou os olhos. Eles tinham só mais meia-hora juntos e vivos.
— Sei o que podemos fazer. Já que isso realmente está acontecendo, acho que é hora de dizer adeus — disse seu pai, encarando os números no celular. Sua esposa segurou um gemido de dor e ele a chamou para perto, passando seu braço por trás de seus ombros, aconchegando a cabeça dela na dobra de seu pescoço. — Eu começo.
Suspiros e uivos estremecidos foram o coro de abertura para a seguinte fala do pai:
— Quando vocês nasceram, não pude ser mais grato a Deus por me dar dois filhos tão lindos, espertos, mas, principalmente, saudáveis. Porque isso me permitia imaginar um futuro para você. Um futuro que eu queria conhecer. Meu maior desejo como pai era ver vocês sendo felizes, conquistando um diploma, formando uma família, mas o destino é indomável. E agora, estamos aqui — Ele parou por um segundo, recuperando o fôlego tirado pelo choro reprimido. — Mesmo assim, tenho muito orgulho de vocês dois. E eu os amo muito. Mais do que posso dizer ou expressar.
Eliah se ajoelhou perto do pai, e escondeu o rosto em seu ombro, tremendo ao chorar. Alice também se aproximou, apertando os dedos dele com força o bastante para que ele compreendesse as palavras que ela não conseguia dizer, e ele a apertou de volta.
— E para você, — ele olhou para sua esposa, tocando seu rosto com delicadeza — o amor da minha vida, minha alma gêmea, eu quero dizer que te amei desde o momento que nos conhecemos e que ninguém me encantou tanto quanto você. Tudo o que eu precisava, você deu para mim. E eu amo você, amo muito, e vou amar até o último segundo.
— Eu também te amo. — Seus olhos melancólicos correram para os gêmeos. — E amo vocês. Amo nossa família. Vocês são tudo o que eu sempre sonhei. E não há tempo o suficiente para dizer tudo o que quero, mas peço perdão por todas as vezes que os magoei com palavras ou gestos. Essa nunca foi minha intenção. Eu sempre quis o melhor para vocês três e me dói vê-los passando por isso, mas, pelo menos, estamos juntos. — Ela engoliu as lágrimas, quando Alice a abraçou e chorou em seu ombro.
— Nós também amamos vocês. Muito mesmo. E eu sinto muito se fiz vocês pensaram o contrário em algum momento — Eliah balbuciou por cima das lágrimas, olhando para os pais com um forte pesar no rosto. Ele checou o crônometro. Sete minutos.
— Eu também. Me perdoem por tudo — Alice falou, pela primeira vez. — Amo tanto vocês. Os três. E não poderia pedir uma família melhor. Sei que vou ficar bem, mesmo quando tudo acabar. Porque seja lá o que acontecer, vocês estarão comigo e só isso importa.
Os quatro se abraçaram fortemente, selando as declarações que haviam proferido segundos antes.
— Temos pouco tempo — a mãe dos gêmeos falou, com um supiro. — Quero que fechem os olhos e lembrem daquela vez que fomos à praia para ver a chuva de meteoros. Sintam o vento bater no rosto, inspirem o aroma do mar, se encolham com a areia raspando a pele — Ela viu o tempo passar, bem devagar. — Agora, olhem para o céu. Ele está repleto de estrelas. Meteoros dançam de um lado para o outro. Vocês fazem um pedido e sorriem, deitando o corpo na areia, sentindo os grãos no cabelo e no corpo. Continuem olhando para o céu, assistindo o espetáculo natural das estrelas festejando — Ela parou de falar por alguns minutos, observando o fim se aproximar pelo cronômetro.
Quando faltavam apenas 3 segundos, ela respirou fundo e disse:
— Eu amo vocês.
Alice abriu os olhos e não ouviu nada quando eles foram cegados pelo Sol se despedaçando.
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E se o mundo acabar?
Short StorySEGUNDO LUGAR na Copa dos Contos - Edição de Fim do Mundo. Coletânea de contos.