Plano de Rialt – região de Gallia – vila de Sal; 27ºC; 1926 em nosso equivalente terrestre; chuva amena. Diferente de um bibliotecário dimensional e morto, eu ligo para as condições de temperatura e pressão de um lugar quando chego. De qualquer forma, Volpi saiu do portal na calçada de uma rua de bairro. Do outro lado da rua, um sobrado de porta de vidro ampla pela qual vazava bastante luz das velas de dentro.
Volpi via claramente uma mulher de seus – agora – vinte e oito anos; físico delgado – por volta de um metro e setenta e oito de altura – com longos braços e pernas; cabelo liso e comprido preso num coque. Estava com roupas do dia-a-dia e um avental verde claro com patinhos brancos bordados no tecido. De costas para a porta varria o chão e fazia companhia a uma criança que estava sentada no alto de uma mesa balançando as pernas.
Confirmou a localização com o Grimório. Só podia ser Lykke. Atravessou a rua apressado. No seu plano entraria, olharia nos olhos dela, confirmaria que era ela, deixaria a car...
─ Pois não? ─ Travou. A mulher abriu-lhe a porta depois que a criança apontou para o visitante que chegava. ─ Nossa, é difícil ver alguém da sua raça por aqui, senhor. Está tudo bem? Está chovendo tanto assim? ─ Ela desviou os olhos dele e os voltou para o céu.
Volpi não tinha resposta e sentia-se perdido. Não sabia o que explicar. O que perguntar? Por onde começar? Até como falar era um problema. Se tivesse lhe jogado um feitiço talvez estaria em melhores lençóis.
─ Tia Eva, não é melhor deixar o moço entrar?
─ Ah! Verdade! Moço, peraí. ─ Como um raio, Eva correu até os fundos e voltou com uma pilha de pano de chão e uma toalha velha. Estendeu alguns no piso, passou a toalha para Volpi. Maquinalmente andou dois passos depois de um puxão na manga por parte da menina... e continuou sem reação.
─ Tia, o moço tá bem? ─, perguntou a menina.
─ Não sei. ─ Volpi olhava para o lugar. O agradável aroma de citronela perfumava o local e afastava os mosquitos. Pela organização das mesas, do balcão e das prateleiras tratava-se de uma padaria/confeitaria. Eventualmente fixou-se nos olhos de Eva. Eram vivos, joviais e alegres, mas eram castanho-amadeirados sem a heterocromia que a tornava um floco de neve tão especial.
E sem a tão específica marca que procurava, sentiu-se ainda mais perdido. Sua mente começou a vagar e questionar se o Grimório havia errado, se ele estava errado e se aquilo que ele havia...
─ Posso ajudar? ─ Eva tocou em seu ombro e o trouxe de volta à realidade.
─ Lykke! Você... ─ Eva se assustou com o grito e recuou um passo. Até mesmo Volpi se assustou, mas foi com sua própria voz. Rouca, áspera e grave como se as cordas estivessem sem uso há tempos. Volpi mudou o discurso. ─ Perdão. Mil perdões. Me chamo Renard Volpi. Estou procurando uma mulher chamada Lykke Eventyr.
─ Lykke Eventyr? Nunca ouvi falar ─, disse Eva recuperando-se do susto inicial.
─ Não!? ─, exclamou Volpi. ─ Mas você é... digo, me falaram que ela morava aqui. Que eu encontraria ela aqui.
─ Não. Nunca morou ninguém aqui com esse nome.
─ Mas e o tempo que... perdão, estou cansado. Me pediram para entregar uma carta para ela e vim de muito longe. Por favor, me diga que não é uma brincadeira sem graça.
─ Meu nome é Eva Lanier... ─ pronuncia-se lã-ni-ê ─ ...e eu moro aqui nessa vila desde sempre. Nunca ouvi falar desse nome.
─ Mas... ─ Pela primeira vez em muito tempo, Volpi sentia raiva. Ele sabia que Lykke estava na frente dele, mas ao mesmo tempo não estava. "Eva" tinha o mesmo corpo, o mesmo rosto, a mesma jovialidade e – o que mais doía – transparecia a mesma honestidade que Lykke possuía. Mas ele não tinha como provar o contrário e sequer começava a imaginar o que havia acontecido.
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Fantasia: Viagens - Volpi
FantasyContinuação direta de: "Fantasia: Viagens - Larry". Atualmente em andamento