2- Henrique (ou Selma)

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      Era uma sexta-feira de pizza pra família de Henrique, 10 anos antes de se tornar outra pessoa. Pai, mãe, todos indo à pizzaria que ficava logo perto, subindo a colina. Sua mãe, que era a pessoa mais importante de sua vida, se recuperava de algumas feridas causadas pelo seu próprio marido em um acesso de fúria. Roberto, ou Beto, como era chamado nas redondezas, não aceitava fracassos muito bem. Tinha pedido à sua mulher que lavasse seu uniforme de trabalho, mas o resultado da lavagem não o agradou. De branco, sua roupa de vendedor de colchões tinha ido para um rosa choque, e não poderia ser usada no dia seguinte. Então a forma lógica de resolver o dilema encontrado por ele foi descontar sua fúria na causadora de seu problema.
      Logo no dia seguinte, Roberto se arrependera do que fez, e comprara um lindo buquet de flores para sua amada. O presente vinha acompanhado de duas promessas: "nunca mais isso vai se repetir", que por sinal nunca era cumprida, e "vamos comer pizza com o Henrique no fim de semana", uma mais fácil de se tornar realidade. Selma, a mãe de Henrique, era realmente uma mulher adorável: todos os dias depois de terminar seu turno no hospital, sua principal obrigação recebia a devida atenção. A querida mãe de Henrique buscava seu filho em casa e o levava para o Centro de Desabrigados próximo a sua casa. Selma era voluntária lá, e fazia tudo que podia com o maior amor possível, sempre ensinando ao seu filho como é importante ajudar a quem precisa e que o amor às pessoas não precisa de recompensa, é a simples obrigação humana. O garoto ficava maravilhado com tudo aquilo. A cada prato de sopa que sua mãe enchia, seus olhos transbordavam de alegria. Nada era mais prazeroso pra ele do que estar ali, junto dela, ajudando a quem precisasse de apoio. Mas os frutos por todo aquele esforço não eram o que ele esperava.
      Toda noite, ao chegar em casa depois de um dia exaustivo de trabalho no hospital e trabalho voluntário, a pobre mulher era obrigada a escutar gritos e berros de seu ogro marido, que havia, mais uma vez, enchido a cara e bebido todas. Henrique amava seu pai, com certeza. Mas a cada grito, cada xingamento, sua vontade era que ele morresse. Henrique aprendeu a desejar melhor mais tarde.
      Naquela sexta-feira de pizza mais do que comum, algo diferente aconteceu. Roberto tinha bebido algumas antes de sair de casa, mas mesmo assim decidiu dirigir. No caminho à pizzaria, um caminhão de colchões que se destinava à loja onde ele trabalhava estava com um pequeno defeito no freio que havia sido ignorado pelo responsável motorista. Em uma curva com pouca visibilidade, o caminhão e o carro da família se encontraram. Os únicos sobreviventes do acidente foram Henrique e o motorista. O garoto ficava mais inconsolável a cada segundo que passava, a cada olhada no carro totalmente destruído. Os bombeiros chegaram rapidamente no local, e levaram o garoto de volta pra casa, que agora se encontrava vazia e fria. Muito fria. Amanda, irmã de Selma, era a única pessoa que poderia possuir a guarda de Henrique, e assumiu a responsabilidade com prazer. Chegou no mesmo dia do acidente e fez de tudo para que seu sobrinho pudesse ter pelo menos um pouco de paz. A janta foi a comida favorita do menino: macarrão com salsichas, mas isso era a última coisa que Henrique conseguia pensar. Ele estava decidido.
      Selma, sua mãe, não podia morrer, ela não estava morta. Ela precisava continuar viva.
     

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