Capítulo dois

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"... Continuando nosso bate papo, vejo o semblante de minha mãe andar até uma distância considerável de nossa mesa e gritar um nome. Não dava para ouvir, mas no terceiro grito dela eu ouvi. Ela chamava "Dean". Dean? É familiar para mim, e de repente o homem que estava calado logo se levanta e se dirige até minha mãe. Dean. Quem é Dean?".

     — Ele é estranho, é amigo dos nossos pais? — Digo após ele se afastar de nossa mesa, pego meu celular e finjo responder algumas conversas para não demonstrar que estava interessado em saber quem ele é.

     — Hum? O Dean? — Apenas afirmo com a cabeça sem tirar a atenção do meu aparelho. — Não se lembra dele? Vocês viviam brigando por nada.

     E num instante um pico de memórias me veio na mente. Muitas memórias relembrando o quanto nós implicávamos um com o outro. Memórias que me trouxeram por algum motivo um grande rancor e desgosto.

     Dean olhos cor-de-merda, era assim que eu o chamava em nossa infância e isso o tirava completamente do sério. Faz uns dez anos que eu não o via, ele se mandou com sua família bem antes de eu sumir de casa.

     Se ele está aqui, a família dele também.

     Dito e feito! Olho ao redor e a maioria dos rostos que antes eu marcava mentalmente com uma interrogação agora parecem ser mais comuns do que nunca. Aquela é Luci, certeza! É a mãe do olhos cor-de-merda. Sei disso pois ela ainda usa as mesmas pulseiras no pulso direito igual a anos atrás. A encaro por um curto momento e logo posso sentir que ela faz o mesmo, inevitavelmente eu abro um sorriso que é correspondido e rapidamente me prontifico de ir até ela.

     — Luci! Quanto tempo! — Me aproximo quando sou recebido por seu abraço.

     — Pequeno Leo! Vejo que já não é mais pequeno! Que saudades!

     Luci querendo ou não foi uma segunda mãe para mim, principalmente depois que meu pai começou a beber bastante. Ela sempre acolheu a mim e o restante de minha família, era amiga de minha mãe desde a época do fundamental e por isso todos nós sempre acompanhamos o crescimento de um e do outro.

     — Você chegou agora? — Perguntou separando o abraço e pegando em minhas mãos, apenas neguei com a cabeça. — Não tinha te visto até agora!

     — Eu cheguei e rapidamente fui dormir um pouco, a viagem é um pouco cansativa — concluí enquanto era guiado para uma mesa com uma grande panela recheada de legumes e outra com purê de batata. O cheiro que antes eu senti que me despertou a fome vinha dos salsichões típicos aqui da Holanda.

     Luci me oferece um pouco de comida, porém digo que já havia almoçado e como já estava alimentado, ela me puxa pelo braço e me leva até onde o pessoal que eu ainda não havia falado. De relance me aproximando de um pequeno grupo de pessoas, avisto uma moça aparentemente um pouco mais nova que eu. Ela já me olhava um pouco também de relance, mas quanto mais perto eu chego do grupo mais ela me encara e eleva sua sobrancelha.

     Após conversar com quase todo mundo, a única pessoa que me resta para cumprimentar é essa garota. Seus cabelos que mais pareciam fios de ouro refletiam sobre a luz do dia, seu rosto era fino e seus olhos extremamente familiares. Olho por um segundo para Luci e posso ter a certeza que aquela ali é sua filha. Eu me recordo da existência da garota, porém não fazia ideia de qual seria seu nome.

     — Lisa, esse aqui é o Leonhart, lembra-se dele? — Perguntou Luci entusiasmada e logo rezo aos céus por ela ter iniciado a conversa citando o nome da garota.

     — Lembro sim! Faz tempo, mas é difícil de esquecer dele — eu sorri e ia estender a mão para ela, mas ela se jogou num abraço e para não parecer um cara chato eu retribuo de forma rápida onde ninguém pudesse perceber minha primeira intenção.

     — Realmente muito tempo! — Reafirmo rompendo o abraço, visto que se dependesse dela não iria acabar nunca.

     Nesse pouco instante, vejo minha mãe gritando novamente, ouço dessa vez com clareza o meu nome já que o som da música estava relativamente baixo. Vou até a cozinha e percebo que ela está junto de Dean e ambos parecem estar rindo de alguma coisa, me aproximo dela lentamente e a mesma se prontifica.

     — Filho, lembra-se do Dean, certo? — Ah, aquele sentimento de rancor por ele ainda reside e aproveito para brincar um pouco da situação negando lentamente com a cabeça enquanto semicerro os olhos e o analiso de cima a baixo.

     — Não tenho tanta certeza, mas sou o Leonhart! — Digo estendendo minha mão para que o mesmo aperte. Se fosse em qualquer outra situação eu estaria rindo muito.

     — Ah, sou o Dean — diz apertando minha mão com firmeza. Uma onda de sensações estranhas me invadira por um momento enquanto senti seu singelo toque. — Nós nos falávamos na infância, não éramos tão próximos assim.

     — Dean Evans? — Pergunto levantando minhas sobrancelhas fingindo surpresa e logo o loiro confirma com a cabeça parecendo animado. — Não há como esquecer.

     — Vi que estava conversando com minha mãe e irmã... — noto a ênfase na palavra "irmã" e infelizmente vou ter que segurar outra risada.

     Ah, é. Eles não viram minha humilhação e não devem fazer ideia do meu gosto pessoal. Provavelmente meus pais nunca mais falaram de mim para nenhuma outra pessoa no mundo por vergonha de ter um filho bicha.

     Se minha suposição estiver certa, ele deve estar dando uma de irmão protetor e querendo saber se eu estava falando coisas decentes para sua irmã.

     — Sim, sim. É difícil não se recordar de Luci e principalmente de Lisa — me vingo de forma criativa também dando ênfase a "principalmente" e vejo seu rosto fechar um pouco. É realmente ótimo se divertir assim.

     — Você mudou muito, Lolozinho... — Lolozinho, é? Meu pequeno apelido mais usado para ofensa dado pelo mesmo na infância. Vejo que estamos a sós e minha mãe saíra para nos deixar conversar. Não posso perder a chance.

     — Não sei se digo o mesmo de você, olhos cor-de-merda — sua mudança de expressão fez um sorriso abrir em meu rosto, ele parecia abismado com o que eu havia dito.

     — Eu não quis usar o apelido de forma agressiva... — disse se esclarecendo.

     — Mas eu sim.

     Finalizei a conversa e apenas saí de lá indo ao encontro de meus irmãos sentido que por algum motivo eu estava numa paz eterna. Ele sempre usou esse apelido com uma forma ridícula. Minha mãe havia me dado ele quando pequeno, ele ouviu-a me chamando assim e começou a me encher o saco junto de outros garotos na época. Foi um inferno. Peguei tanta raiva desse apelido que pedi para minha mãe parar de me chamar assim.

     Que eu me lembre, Dean era muito vaidoso, mas quando recebia alguma critica ele sempre ficava extremamente chateado e as vezes deveras irritado. Eu usava isso contra ele e funcionava bem, me rendia até alguns poucos dias de paz.

     Will me oferece mais um copo de bebida e assim eu estendo o resto do dia: bebendo bastante e jogando muito tempo fora com meus irmãos.

     Eu já não tinha mais notícias de meu pai, a noiva de Rein iria vir apenas amanhã, por isso não tive a chance de conhecer a sortuda que fisgou o coração do meu irmão.

     No meio de toda empolgação eu parei de beber por um curto período e já estava mais sóbrio, nisso chegou mais gente e pude ver um homem ruivo que se aproximava em passos rápidos até mim e me pegou desprevenido num abraço. Esse povo tem um grande apego a abraços, não é? Isso me deixa bastante irritado.

— Leon, que tempo faz! — A pinta perto de sua boca me fez relembrar quem era, era August. Esse sim eu tinha um ódio guardado. É um cara extremamente chato que desde a infância me enchia o saco junto de Dean.

     Quando Dean se mudou junto de sua família, ainda não sabiam sobre mim. August foi uma das pessoas responsáveis por vazar meu segredo tão precioso e ainda soltou um boato de que eu vivia dando encima dele. Eu simplesmente não consigo retribuir seu abraço e logo ele me larga com um sorriso em seu rosto. Respondo apenas um ríspido "oi" e me apresso a voltar a ficar com meus irmãos. Rein pergunta se está tudo bem comigo já que voltei com a cara fechada, apenas afirmei que eu estava bem e que meu copo estava vazio.

Me odeio por te amarOnde histórias criam vida. Descubra agora