missing track: Maroon

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(Leia escutando a música)

"The burgundy on my t-shirt
When you splashed your wine into me
And how the blood rushed into my cheeks
So scarlet, it was
The mark you saw on my collarbone
The rust that grew between telephones
The lips I used to call home
So scarlet, it was maroon"


GATILHO: depressão, remédios pra depressão.


Flávia olhou para o céu e a cor parecia um estranho vermelho. Não, vermelho não. Um bordô. Era uma tonalidade de vermelho, porém mais escuro. Uma cor, digamos, madura, adulta e solitária.

A marca na clavícula dela era avermelhada mas não era vermelha. Era tudo praticamente naquela mesma tonalidade, até mesmo os olhos brilhantes de Guilherme olhando em sua direção. Cada olhada, o sangue subia pelas bochechas de Flávia e ela se agarrava ao sentimento.

Quando Guilherme entrou pela porta naquele dia mais cedo, ele trouxe um presente pra ela. Um colar com uma pedra de rubi. Flávia quis recusar, mas o pianista insistiu que era um presente pra ela, que foi e é importante na vida dele. Ela sentiu a visão ficar turva e ele simplesmente disse "vire-se" como se fosse a coisa mais normal do mundo. Ela obedeceu, o que ela nunca fazia com ninguém, mas com ele tudo era diferente. Quando ele colocou o colar nela os seus longos dedos encostaram na sua clavícula, ela tinha certeza  que ele tinha visto a marca, mas resolveu não falar nada. Quando ela virou novamente, os olhos de Guilherme eram orgulhosos e um sorriso torto constatara no seu lindo rosto, ele sussurrou uma palavra que Flávia não conseguiu entender e ela estava com muito medo de pedir pra ele repetir. A cantora agradeceu o presente e ofereceu um vinho tinto como um convite silencioso pra ele ficar. 

Ele ficou.

Os dois beberam os dois vinhos que Flávia tinha na geladeira. Guilherme brincou com ela por deixar a bebida na geladeira e ela fingiu estar ofendida, revirando os olhos como uma garotinha.

Ele perguntou como estavam as coisas em Nova Iorque, ela respondeu que estavam boas. Sempre tem uma loja de vinis antigos a cada esquina, ela respondeu. Você não sente falta de casa? Não sente falta da Paula? Pensei que ia acabar morando em Paris de tanto que você falava. Flávia respondeu que sim para as duas perguntas. Mas a última afirmação dele a deixou pensativa. Ela não tinha certeza se queria dizer em voz alta que já não era mais aquela garota fissurada em Paris. As coisas mudaram. Ela já tinha quase 25 anos. E, foi fazendo essa constatação, que falou tudo pra Guilherme, como se ele fosse seu amigo mais próximo, apesar que não se viam faziam meses, mesmo estando de totalmente bem com ele. Ela se afastou de tudo, inclusive dele. Um tempo fora vai te fazer bem, Paula falou.

Quando terminou de falar ela já não estava mais tão contemplativa e deprimida, mas já estava rindo à toa, no chão, com Guilherme encostado no seu sofá marrom. Ela esqueceu de tudo naquele motivo, até do motivo da sua depressão.

Ela ouviu Guilherme falar que o vinho tinha acabado e Flávia disse que só tinha um vinho barato que ela comprou quando foi no Brookyln. Sem mais delongas ele abriu o vinho e eles tomaram quente mesmo. Mais risadas. Mais bochechas rosadas. Dessa vez Flávia deitou no chão e Guilherme a acompanhou e ela riu mais uma vez quando percebeu que um homem daquele tamanho estava tentando deitar no meio da sua sala pequena no seu apartamento "meio maximalismo, meio Terra-Média" que ficava na Broadway. Ela riu ainda mais quando, sem querer, Guilherme derramou o vinho na sua blusa e ela ficou meio avermelhada. Flávia não ligou muito e não a tirou.

Os dois ficaram se olhando, parecia uma guerra travada silenciosa e meio sem sentido. Flávia foi a primeira a quebrar o contato quando viu que seu gato acordou e foi na direção de Guilherme, e o pianista o pegou no colo e fez carinho nas suas orelhas. Flávia desviou o olhar de novo daquela cena e resolveu acender um incenso de camomila pra, quem sabe, acalmar um pouco seus nervos.

Se deu conta que o colar que Guilherme tinha lhe dado estava no seu pescoço, ela somente tinha se lembrado agora. Ela tocou o pingente vermelho brilhante e respirou fundo. 

Eles tinham perdido a noção do tempo, o céu já não era bordô e estava escuro como meia-noite. Flávia pegou o relógio e de fato era esse horário. De repente, se sentiu fadigada, como sempre acontecia nos últimos meses com o remédio, mas não cansada. Guilherme ainda brincava com Edward. 

Finalmente, depois que Edward foi brincar em outro cômodo, Guilherme fez a pergunta que Flávia estava esperando toda noite.

A resposta dela foi apenas uma olhada por cima do ombro e um risinho travesso. Ela acariciou a parte avermelhada da clavícula e quis dizer que não era da conta dele. Mas era. Era tudo da conta dele. Porque toda vez que ela beijava um boca diferente, era ele quem ela imaginava beijando. Então sim, ele tinha direito de perguntar. Ela daria essa vantagem pra ele.

Guilherme, por outro lado, não disse nada e apenas ficou a encarando.

Flávia virou de costas pra ele novamente e, sentindo-se corajosa, tirou sua blusa tingida de vinho e jogou no chão, a deixando apenas com uma longa saia e um sutiã rendado preto. E, é claro, o colar que Guilherme deu para ela. 

Guilherme já estava a seguindo quando ela se dirigiu pro seu quarto. Eles riram quando ele tropeçou no tênis all star de Flávia. Ele tirou sua própria camisa quando Flávia suspirou. Ela tirou a saia quando Guilherme se sentou. Eles tiraram juntos o sutiã de Flávia quando ela deitou na cama.

Flávia não precisou imaginar que era Guilherme ali a beijando porque, dessa vez, era ele de verdade. 

Mais quente que o vermelho, mais brilhante que a luz do sol. Ele era mais que uma tonalidade na sua frente. Talvez todas as cores em uma só pessoa. Talvez ele fosse a cor primária que iria trazer todas as outras pra sua vida. 

No outro dia, quando acordar com Guilherme sobre seu corpo, e ele esperar ela tomar o remédio e dar comida pra Edward, eles poderiam ir no café mais perto do apartamento de Flávia e tomar um café da manhã com vários pãeszinhos e um chá sabor de frutas vermelhas - o favorito da cantora. 

Sim, eles poderiam fazer isso.

De novo.

Sem arrependimentos.

Somente o céu era vermelho, o seu amor não mais.


 .


beijos da autora <3

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