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Amarrado a um poste no meio do pátio do prédio, foi ali que fiquei por três longos dias e três longas noites, sem cômoda ou água. Um exemplo 0ara aqueles que não se comportam e não se comprometem com sua classe. Estou cansado, com raiva, fome e sedento. Eles dizem que preciso aprender e aceitar. Que preciso ser um bom garoto. Beija-flores sempre são bons garotos, coloridos, sorridentes e fáceis de lidar. Submissos, é o que querem que eu me torne.

O centro de ensino é uma mansão antiga com paredes grossas de pedra e Torres altas. Somos quase trezentos jovens aprendendo a se comportar como fantoches de milionários. Nossos cuidadores não são pássaros. Ganharam o privilégio de permanecer no ninho, em troca prestam serviços, limpam, cozinham, fazem todo o resto do trabalho pesado. São os escravos que mantém as coisas funcionando. Eles usam cinza, ninguém mais além deles usam essa cor, apenas não pássaros usam cinza. Ninguém se importa com eles, a maior parte do tempo é como se nem ao menos fossem vistos, como se não existissem. Lembrados apenas quando necessários. Quando nossas roupas precisam ser lavadas, quando o chão precisa ser limpo ou quando algum babava precisa aliviar seus impulsos sexuais de alguma forma sórdida. Não sabemos seus nomes ou de onde vieram, nem quem foram antes de perderem suas asas. Antes dos vinte anos. Eles não olham para nos diretamente, sabem que não podem, são indignos de nós. Vivem de faces viradas para o chão.

Os professores, são velhos beija- flores, que ainda possui sua beleza. Dezenas de senhores e senhoras enrugados e frágeis, surrados pelo tempo. As vezes sinto um olhar de inveja de alguns deles, e natural que os façamos lembrar da época em que a gravidade ainda não afetava tanto sua pele. Todos viúvos. Nos ensinam como sentar, falar, como ser belos e elegantes e como é importante mexer bem a cintura na hora do sexo. Por que é claro que isso é um requisito muito importante para quem vai nos escolher. No fim das contas é pra isso que nos querem, eles querem rostinho bonitos enfiados no meio de suas pernas.
Estão nos aprontando para sermos servos decentes para nossos futuros senhores e senhoras. Querem que saibamos o que fazer quando a hora chegar, que saibamos faze-los felizes.

Os beija-flores existem para deixar o ninho mais belo, alegre e feliz.

Dormimos em quartos compartilhados, cada qual com vinte de nós, camas postas lado a lado em filas rente as paredes, deixando um corredor no meio delas. Fiz amizade com duas pessoas aqui, Carla e Pedro. Não é preciso dizer que ambos são genuinamente bonitos. A maioria de nós queria estar aqui, existe uma ilusória sensação de privilégio em ser o que somos, uma vez que nunca mais precisaremos nos preocupar com nossa própria sobrevivência, seremos sempre cuidados. Escolhidos por famílias ricas, casaremos com seus filhos e viveremos uma vida de luxo e felicidade, nem precisamos dar filhos a eles, existem classes específicas pra isso também. Carla queria ser uma coruja, ela é extraordinariamente inteligente e assim como eu, está furiosa. No seu teste não lhe foi feito perguntas, ela não teve de responder nada ou provar alguma coisa, eles apenas "ouviram o elegante bater de suas asas".
Pedro, por outro lado, está exatamente aonde queria. Ele nunca esteve tão feliz. Sonha em se casar com  pavão,  especial, um jovem de nome Tobias. Ele ouviu que Tobias se interessa por homens e que vai escolher seu beija flor no fim deste ano, o que significa que será um entre nós.

No sexto mês eu tentei fugir. Saí sorrateiro noite a fora, um plano bem executado, viajei a noite por dias e passava os dias escondido em qualquer lugar que era conveniente. Mas fui reconhecido em uma pequena vila ao norte da capital. Dois falcões me trouxeram de volta. Quando Epaminondas, o beija-flor ansiao olhou para mim, ficou horrorizado.

- O que fizeram? - Berrou com sua voz cansada de quem não vai viver por muito mais tempo.

Sua fúria se dava pelos meus hematomas. Eu lutei bastante contra os falcões tentando fugir e eles tiveram que me derrubar, levei uma bela surra e não sinto que aprendi a lição.

- Um rosto sem marcas vale mais que um rosto marcado. - Concluiu o velho se aproximando para analisar meus ferimentos. - Nunca machuque um beija-flor. Está é a lei!

O ansiao sim, sabia como machucar sem deixar rastros visíveis. Fomos torturados de muitas formas para que aprendessemos sobre ser perfeitos.

- Cuidem do rosto do rapaz. - O velho disse se afastando. - depois amarrem- no ao poste. Deixem que sinta o frio da noite e o calor do dia, não o alimentem e não deem água a ele. Aprenderá o seu lugar no ninho rapaz, ou não viverá para o próximo outono.

Eu o mataria, se tivesse a chance. Mataria a todos. Não vou me tornar objeto de seja lá qual for a família que me queira. Não serei o brinquedinho de ninguém. Que me mantem, prefiro a morte.

Me dou por vencido.

Sento no chão frio do pátio.

Amanhã pela manhã, serei tirado daqui. Eles vão me lavar, cuidar dos meus ferimentos, da minha sede e da minha fome. Vão me fazer melhorar.

Não tenho como fugir. Não agora. Não ser recursos. Devo esperar, ser um bom garoto. Vou ser o melhor dos pássaros se eu puder e quando sair daqui, quando for escolhido, casarei o mãos fundo possível em busca da minha liberdade.

Esse velho provavelmente morrerá pensando ter me vencido, mas eu jamais serei um beija-flor. Não sou eu. Ninguém será meu dono.

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⏰ Última atualização: Nov 28, 2022 ⏰

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