A enigmática canção do pensamento.

VII

A rua estava movimentada. A multidão esbaforida, apressada, tentando fugir daquela tempestuosa trajetória de volta para casa, depois de um dia cansativo. Em meio àquelas pessoas desconhecidas, algo chamou a atenção do jovem moço, parado do outro lado da rua - um jovem de aparência elegante, cabelos castanhos, olhos negros... Enfim, ele se parecia como todos os moços da sua idade passando por ali naquele momento.
Mas, como alguém poderia lhe chamar a atenção se todos eram estranhos, desconhecidos, irrelevantes...? O que roubou a atenção de sua pacata vida urbana era na verdade uma jovem. Olhos amendoados, cabelos encaracolados, de uma cor indefinível por ele - e isso não era pelo mesmo motivo ao qual a ciência vivia dizendo que os homens não sabem reconhecer cores que não o padrão (amarelo, vermelho, azul...), mas, sim, porque a cor de suas encaracoladas mechas eram únicas, jamais vistas por ele.

Porém, o que primeiramente prendeu sua atenção na moça foi o lindo laço amarelo em seu cabelo. Aquele laço a destacava em meio a multidão, tornando sua aparência mais suave, diante de tantos rostos cansados, bravos... Isso o fez parar para observá-la caminhar em meio aquele caos urbano.
Mas, o que mais o encantou não foi sua beleza estontiante. Ele tinha de admitir que ela era realmente linda, no entanto, o que o impressionou foi o seu jeito ameninado e meigo, que fazia dela única em meio aquelas pessoas estressadas e cansadas da vida. Ela parecia bailar cada vez que desviava de alguém, ao mesmo tempo que pedia "com licença" e logo um "me desculpe".

O lindo brilho do sol da primavera deixava sua pele com um aspecto amarelado e o castanho de seus olhos mais intenso.
Ela se aproximava e, com isso, ficava mais notório o rosado de suas bochechas, ao mesmo tempo que lindas pintas amareladas, nas mesmas, ameaçavam surgir.

Ele não poderia perder aquela conjuntura. Estava absorto com cada passo da moça. Ela lutava contra o próprio vento, que se mantinha persistente sob seu vestido, ao qual ela tentava falhamente manter no lugar. Os sapatos pareciam incomodar seus pés, por isso, ela andava meio desconcertante.

Sem perder tempo, ele para de frente a moça, calado, assustado, procurando na mente algo para dizer. Ela também para. - Com licença. - Ela tenta se esgueirar e só agora ele percebe que ela carrega vários livros. Ele interrompe sua passagem. - Com licença, senhor. Eu preciso passar. - Ela parece tímida pois mantém os olhos fixos ao chão. Porém, ela mantém um sorriso doce. - Você não quer ajuda com os livros?- Ele oferece. - Ah, não, não precisa. Não queira se incomodar. - Ela tenta desviar novamente. - Não seria incomodo algum. - Sem que ela pudesse hesitar, ele toma os livros em suas mãos. Ela se viu frágil em meio a insistência do jovem e decidiu ceder. - Está bem. Ela passa à frente e ele a segue.

¤ ¤ ¤

- Obrigada pela ajuda com os livros. Mas, eu posso levá-los sozinha agora. Ela estica as mãos para ele.

- Você está muito ocupada? Ele pergunta, entregando os livros pesados para ela.

- Não. Por quê? Ela pega os livros, vira-se de costas e começa a andar.

- Bom, eu... Ele coça a cabeça, parado à alguns passos dela. Ela se vira gentilmente para olhá-lo.

- Você...? Ela o encara com seus olhos amendoados.

- Queria saber se você gostaria de ir na cafeteria comigo... Ele não a encara, deixando evidente seu nervosismo.

- Mas... Nem ao menos nos conhecemos...

- E não é assim que fazemos amigos? Transformando uma pessoa desconjecida em conhecida? Ele insistia.

- Sinto muito, mas não posso...

Ela virou-se e continuou a caminhar.

- Espera! Eu poderei te ver novamente? Ela para e o olha de novo e sorri. Ele não entende. Ela caminha até ele e lhe entrega um papel escrito algo parecido com um endereço. Dizia:

BD Saint-Germain, 172.

- Espera. Isso é uma cafeteria!

- Me encontre lá.

- Quando, que horas!? Ele não conseguiu conter seu euforismo.

- Quando quiser. Eu trabalho lá. Ela sorriu e continuou andando.

Nada poderia tirar sua felicidade agora. E lá se foi a moça que lhe roubou a atenção, dobrando a esquina.