Eu… Nunca gostei de futebol. Apesar de morar num país famoso pelo esporte, vivenciar nas escolas, nos parques, nas quadras – em todo canto –, e ouvir como a primeira opção de jogo, de conversa, de aposta, de seleção, nunca me interessou aquela correria eufórica atrás de uma bola só para arremessá-la numa rede com os pés. Mas, é engraçado que, num ano em específico, aquele que também emerge a política como assunto cotidiano, não há ódio, nem desprezo, mas pleno amor e atenção no campo esverdeado. Quando sempre voltava da escola a televisão permanecia desligada. Escura, vazia, silenciosa. Como um adorno antigo da sala. Assim como ela, os sofás se mantinham intactos e sem um amasso como se comprado no mesmo dia. Algum dia alguém sequer sentou ali? A mesinha de centro, além da poeira, não sustentava nada mais. Nem manchinha, nem pedaços de comida. Uma casinha de boneca em perfeita condições. Um dia, entretanto, subindo novamente as escadas com um dia cansativo de aula nas costas – oscilando conforme meus ombros curvavam a cada degrau –, eu ouvi. Gritos. Não um, mas vários ao mesmo tempo. Pareciam decepcionados, ansiosos, revoltados com alguma coisa. De todo modo, desesperado pelo barulho repentino, pensando no pior, pulei o último lance. Com o coração aos pulos parei na soleira e passei rapidamente os olhos pela sala em busca de perigo. Antes de percebê-los veio o movimento. Inesperado e intenso. Minha família em harmonia se levantou num salto do sofá amassado, vestidos de verde e amarelo com bandeirinhas e marca da seleção, curvaram em expectativa e num rompante urraram para a TV um longo e feliz gol. Claro que de início dei um passo em falso assustado e quase caí para o patamar embaixo, mas consegui segurar nas laterais e me reerguer. Nunca havia visto cena igual. Tanto pela união de meus familiares que nunca tinham tempo para se verem quanto por essa empolgação coletiva que parecia tão contagiosa entre eles. Em simultâneo a animação, como se o eletrodoméstico o tivessem ouvido, veio um alto e poderoso som de Gol do interlocutor nas caixinhas a lateral da tela, acompanhado de uma musiquinha levemente familiar de comemoração. Parei alguns minutos estático meio zonzo pela quantidade de emoção num único minuto. Não estava acostumado a isso. Quando o barulho diminuiu e a empolgação morreu, voltei a mim e olhei para cada rostinho exaltado de cada pessoa que agora, quase que instintivamente sentavam no sofá sem tirar o olho da televisão. Vidrados, mas imensamente alegre – nem sei se já vi meu pai rir antes. E eu senti por alguns segundos o contágio dessa felicidade, mas não sabia bem do quê. Para descobrir, virei para TV. Incrivelmente ela estava ligada, brilhando em cores escaldantes com os mínimos detalhes nítidos – nunca percebi o quanto a tela era grande. Em sua lateral, nos buracos que a decoravam, berrava o mesmo interlocutor com comentários animados e ligeiros. Os nomes que ele soltava, os movimentos na tela, as informações na lateral. Não precisava ser um gênio para saber que era uma partida de futebol, mas a seleção que estava jogando… Era a nossa! Nosso país. E só uma situação isso era possível. Copa do Mundo. Sentindo a emoção da expectativa no nosso time, vivenciando o espírito de torcedor brasileiro, larguei a mochila num canto da porta e fui me unir ao sofá. No meio do calor humano e da ansiedade do jogo que se seguia, o contágio do total foco naquele momento me envolveu. Fiquei vidrado, mesmo sem saber de futebol, mal entendendo que o juiz fazia com as mãos e nem se importando qual era o jogador.
E o mais fascinante, mesmo não gostando, o que eu queria era gol, era ver o Brasil ganhar, não só nessa mas nas próximas também. Com mais um gol, nós nos levantamos orgulhosos outra vez para urrar junto à torcida no estádio, ao interlocutor, aos jogadores no campo e todo o resto dos torcedores, uma grande e animada acertada de bola na rede abrindo placar para mais uma vitória.