III

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Dias depois, a embarcação entrou num afluente estreito. A água parecia mais densa, o navio mais pesado e a quilha arrastava no fundo de areia com tanta frequência que começava a preocupar a tripulação. Aos poucos, o som dos pássaros foi ficando para trás enquanto que o vento se tornou brisa e, em seguida, cessou. O calor enclausurado queimava suas ventas, dando a sensação de estar entrando numa caldeira e o silêncio que havia tomado a mata deixou a tripulação apreensiva.

– Não se escuta uma viva alma – comentou o portuga. – O silêncio de um vale indica a falta da benção do Senhor.

Mais tarde, o "Esquife" atracou em um cais improvisado na beira do rio. A madeira, escurecida pelo tempo e coberta de limo dava a impressão que ninguém visitava aquele lugar por anos.

– Tem certeza que o lugar é este, capitão?

Gezegend acenou com a cabeça, cuspindo o resto de uma folha de mascar pela vigia do passadiço.

– Um cais abandonado a bombordo do vale silencioso... Este é o lugar.

– Mas aqui não tem nada! – insistiu Julinho.

– E é por isso que eu contratei um monte de marujos jovens e cheios de disposição: a carga precisa ser entregue atrás do morro da pedra pontuda seguindo a trilha que contorna o vale. Chega de moleza, rapazes. É hora de descer a carga, já!

Então, a tripulação do "Esquife" desceu de seu convés três caixas de madeira de um metro e oitenta por um metro e vinte, e mais de meio metro de altura. Conforme eram jogadas, alguma coisa batia solta dentre delas, levantando questionamentos se o que quer que fosse estivesse preso o suficiente. Ninguém queria arrumar problemas com um cliente insatisfeito no meio da floreta isolada. Logo, com um homem a frente e outro atrás, os três enormes baús foram carregados para dentro da mata em uma fila indiana. A trilha era fechada, o capitão Gezegend ia na frente com um facão abrindo mais a passagem, enquanto seus homens tropeçavam em pedras, pisavam em raízes e enfiavam as canelas em poças de lama, diligentes em manter os caixotes em segurança. Bradão era o último, carregando a parte de trás da terceira caixa e por vezes, quando, tirava os olhos do caminho e encarava a escuridão da floresta, podia jurar ter visto pares de pontos brilhantes espreitando nas sombras, como olhos refletidos de um gato, acompanhando a comitiva por todo o trajeto. Um calafrio correu a espinha do guerreiro, cujos extintos sabiam quando estava entrando numa armadilha. Após umas horas de esforço, surgiu diante deles uma enorme construção do tamanho de uma catedral católica. Parecia uma estátua gigante de algum pássaro de tempos ancestrais que os encarava com olhos atentos. Aos pés daquela rapina pétrea, havia um grande pórtico no fim de uma passagem de paralelepípedos circundado por archotes apagados. Aos subirem a pequena escadaria entre a lama e a passagem se deram conta de se tratar de algum tipo de templo arcaico de algum povo esquecido pelo tempo, que habitavam essas terras antes da chegada dos europeus.

– Bradão? – Julinho engolia seco, com olhos arregalados na direção da construção. – Isso é de alguma tribo que você conhece?

O castanho ergueu sobre a cabeça uma das imensas caixas com a força dos próprios punhos e subiu as escadas:

– Os índios são apenas os herdeiros de muitas gerações de povos que habitaram estas terras. A maioria dessas civilizações deixaram de existir faz muitas eras, mas as suas marcas ainda levarão muito tempo para desaparecer.

– Essas civilizações eram "boas" ou "más"?

O charrua não respondeu.

Em seguida, a tripulação terminou seu caminho pela passagem de pedra indo em direção ao interior do templo. Mas, quando eles se aproximaram de seu destino, viram três figuras soturnas paradas sob o umbral e escondidos pela sombra. Eram altos, com exatamente a mesma altura, vestidos com mantos negros que lhes cobriam as faces, parados em distâncias iguais e encarando quem se aproximava com os finos braços cruzados sobre o peito. Julinho perdeu a cor da face, o português fez um sinal da cruz enquanto Bradão conferiu o cabo de sua espada na altura da cintura. O capitão, com um semblante pouco confiante, fez um sinal para que a comitiva parasse e, em seguida, foi até as três criaturas sozinho para negociar. Após alguns instantes ele voltou carregando uma sacola de estopa esfiapada.

O MORCEGO DO DIABOOnde histórias criam vida. Descubra agora