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       Estava frio, chovendo, como de costume. O programa de Talk Show não prendia mais minha atenção — na verdade se tornou inútil para tal tarefa horas atrás. Minha mente girava uma, duas, três vezes e retornava ao mesmo lugar: Damon F. Constantin me sequestrando e arquitetando um plano para comemorar meu aniversário. Eu nunca, jamais esperei que alguém fizesse algo assim pra mim. Era doentio, perigoso e... doce, em parte. Damon foi imprudente e eu corri grave riscos. Poderia estar morta se ele assim desejasse. Bastaria alguns minutos para tirar minha vida, como talvez quisesse ter feito quando nos conhecemos. Ele não fez nada além de ser cordial. Sua obsessão estava evoluindo de patamar e me deixando preocupada comigo mesma por pensar tanto, por ter intervindo com o senhor Cullen a favor do meu paciente. Fizemos um acordo. Eu passaria todos os detalhes do meu avanço para que ele se vangloriasse com o prefeito em troca da não punição do caso trinta e quatro. Constantin não machucou ninguém, ao final. Não cometeu maldade alguma. A meu ver, sabia que seria pego. Ele podia ter fugido para bem longe, estar em outro estado, contudo, decidiu permanecer, me desejar parabéns pessoalmente e proporcionar um jantar agradável. Respirei fundo. Seus elogios estavam começando a me deixar balanceada, circundando minha cabeça como víboras sussurrando a língua do S entremeio os neurônios. Exausta demais para pensar naquilo, sai do sofá e fui ao armarinho da cozinha em busca de algo para me ajudar. Remédios para dormir. Tomei duas cápsulas brancas sem precisar da ajuda d'água, então retornei ao móvel na sala e me meti embaixo da colcha de retalhos com fundo de lã. Felizmente não demorou muito para eu pesar e a inconsciência bater a porta.

***

Acordei no fim da tarde com meu telefone fixo tocando. Ainda grogue pela medicação, arrastei-me para fora do meu sofá caramelo e fui até a cozinha. Não era grande, sim modesta. Toda em tons de marrom e preto, vermelho marsala em alguns pontos. Furtei o aparelho preto do gancho e encostei na orelha.

— Alô?

Olá, Harriet.

Harriet. Meu peito esfriou à cinco mil graus negativos. O gelo espalhou-se pelo restante da pele, tornando-me uma estátua petrificada. Qualquer resquício de sono desapareceu num passe de mágica. Aquele timbre de voz, por mais que estivesse a milhares de quilômetros de distância, ainda abominava meus pesadelos. Mas não restava dúvidas de que era Victoria Queenie... Mais conhecida como minha mãe. Respirei profundamente por um instante, fazendo uma contagem mental que ia do um a três e regredia ao ponto de partida. Não nos falávamos a bastante tempo. Geralmente eu quem ligava para o meu pai e ele fornecia informações sobre o que andava acontecendo com a família. Mamãe nunca foi minha fã. Falar ao telefone com ela era como sustentar uma cara feliz quando seus pés doloridos resmungavam e o humor tinha se tornado tão negro quanto o céu de Scary Lake num dia chuvoso. Não que eu a odiasse. Depois que cresci, percebi que não conseguiria nutrir raiva por quem me deu à luz. Mas era apenas isso, gratidão por ela ter me gerado; estava longe de fraternidade genuína. Era difícil amar uma mulher que nunca me cativou enquanto teve chance — por mais que fosse minha mãe de biológica.

Harriet? — ela chamou novamente.

— Ah, mãe. Oi. Desculpe.

Você continua desatenta. — Resmungou.

— O que houve? Faz tempo que não me liga. Quer me desejar feliz aniversário atrasado? — poderia ser a única razão possível, porque Victoria não era do tipo que ligaria pra mim se sentisse saudades — até porque ela não sentia. E mesmo que tivesse se recusado a falar comigo nas últimas três datas comemorativas onde minha idade avançou uma casa, talvez esse ano ela tivesse decidido torcer o braço a pedido do meu pai.

Não. Não liguei por isso.

Claro que não.

— Certo... — era de se esperar que demandaria muito dela um gesto como aquele.

UltraviolênciaOnde histórias criam vida. Descubra agora