3. Dona Guiomar conhece dona Maurina
No dia seguinte, no final da tarde, Guiomar foi buscar Vitória. Estacionou o carro, porque não viu a menina. Foi até o bar da Benê e lá estava ela.
- E então, animada, Vitória?
- Não sei, dona Guiomar. Acho que não vai dar certo. Minha mãe não vai deixar, vai ficar brava, vou apanhar tudo de novo. E onde eu moro é feio.
- Vitória, minha querida, - respondeu Guiomar – tenho certeza de que sua mãe vai deixar e que você não vai apanhar. E a pior coisa que existe é ter vergonha da casa da gente. Sua casa é a melhor que sua mãe conseguiu arrumar. Ela dá um duro danado. Pode ter errado algumas vezes, mas tenho certeza de que quer seu bem. Agora, me diga, onde você mora?
Benê, que até então ficou calada, resolveu falar. Afinal, Vitória era sua protegida. Era uma boa menina e merecia essa chance.
- Dona, a senhora tem certeza que quer fazer isso pela menina? Sua família não vai achar ruim? Porque não acho certo a senhora combinar tudo com a mãe e depois dar pra trás. E a senhora sabe, lugar de criança é na escola.
- Eu sei de tudo isso, dona Benê. A Vitória poderá estudar. Ela ajudará a Durvalina e ganhará um salário. Eu quero tirá-la da rua, onde não há futuro.
Benê assentiu. Olhou para Vitória e disse:
- Leve dona Guiomar para falar com sua mãe. Será melhor para você. Depois, um dia, você passa aqui pra me contar como está. Vou morrer de saudades.
Vitória abraçou BenÊ com olhos embaçados pelas lágrimas. Benê tinha sido seu anjo da guarda. Benê apertou forte a garota, tentando inutilmente esconder as lágrimas que insistiam em cair.
Guiomar se despediu de Benê com um abraço e foi.
- Eu moro na favela do Paraisópolis – disse Vitória em voz baixa.
- E como se chama a sua mãe?
- Minha mãe se chama Maurina. Meu avô queria que fosse menino, Mauro. Nasceu minha mãe e virou Maurina.
- E o que você mais gosta na sua mãe?
- O jeito que ela lia para mim a história da Cinderela e do príncipe. A senhora conhece algum príncipe? Mas ela parou de ler faz tempo.
Essa conversa foi no caminho para o Morumbi, bairro rico de São Paulo, com uma imensa favela incrustada em meio aos edifícios de luxo. Guiomar estava tensa, mas sabia que não podia demonstrar suas duvidas. Vitória já estava suficientemente amedrontada com a situação.
Guiomar estacionou próximo a uma venda. Foram caminhando. Algumas ruas estavam asfaltadas, outras não. Havia casas de alvenaria e alguns barracos. Chegaram ao barracão da vitória. A menina foi abrindo a porta e gritando pela mãe.
Dona Maurina apareceu e sua expressão de espanto lhe tirou a fala. Olhou a filha e a senhora elegante que a acompanhava.
"O que era aquilo"?
Guiomar foi logo estendendo a mão e falando:
- Muito prazer, dona Maurina. Não fique assustada. Não sou da prefeitura nem de qualquer outro lugar. Eu conheci a Vitória na rua.
Maurina, recobrando a fala, cortou:
- Ela estava na rua porque quis. Aqui ninguém mandou ela embora.
- Eu sei, dona Maurina. Vitória apanhou muito e fugiu. Isso é passado. Eu vim lhe perguntar se Vitória pode trabalhar na minha casa. Quero dizer, fazer pequenos trabalhos, já que tenho uma empregada. Eu quero tirá-la da rua, mas não posso levá-la sem seu consentimento. Ela vai estudar também.
- Olha dona, eu já ouvi histórias de levar meninas. Dizem que pra uma coisa e é pra outra. Eu posso ser ignorante e pobre, posso errar na educação que dou, mas sou mãe e amo minha filha. Às vezes a gente briga, exagera, mas sou a mãe dela e não quero que vá com qualquer pessoa que aparece na rua.
Guiomar ficou alguns segundos calada. Ela também era mãe e entendia bem o que Maurina queria dizer.
- A senhora tem toda razão. Eu sei que a situação é estranha. Também sou mãe. Tenho três filhas. E também me preocupo com elas. Não deixaria elas irem para qualquer lugar com qualquer pessoa. Podemos fazer o seguinte: a Vitória dorme aqui hoje e amanhã, se a senhora puder, a senhora leva ela até a minha casa. Aí a senhora vai ter certeza de onde está e em que ambiente ela ficará.
Vitória olhava a mãe ansiosa. Seu olhar dizia;
"Deixa, mãe, deixa!"
O silêncio de dona Maurina era pesado. Ela demorou a responder. Por fim, disse:
- Está bem. Por sorte amanhã não trabalho. Vou levá-la logo cedo, que tenho muita coisa para resolver.
Guiomar quis abraçar dona Maurina, mas esta lhe estendeu a mão, indicando o fim da conversa.
- Obrigada, dona Maurina. A senhora escolheu um nome muito bonito para sua filha. A senhora vai ver, ela será vitoriosa como diz o nome.
Um leve sorriso perpassou o rosto de Maurina e logo desapareceu. Guiomar se voltou para a porta e saiu.
O caminho de volta para casa pareceu longo. Guiomar não tinha certeza se Maurina levaria Vitória. Mas não tinha o que fazer a não ser esperar.
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Cinderela do asfalto
Teen FictionVitória é a cinderela dos dias atuais. De menina de rua passando por várias situações, ela aos poucos vai perceber que sua história é digna de seu nome. #wattys2015 Página do face: www.facebook.com/cindereladoasfalto Booktrailer: www.youtube.com/w...