Capítulo 1 - ELA

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Temo que não me haja palavras. Não só para com ela falar, mas também para contar minhas ansiedades. Decidi vir cá escrever apenas por conta do ocorrido de mais cedo, no colégio.

Foi quando fui à sala do terceiro ano do ensino médio. Achei-me miúdo entre eles, perdido no que estava na lousa ㅡ o que não é de todo um mal, visto que até eles estavam sem entender aquela aula de física ㅡ e tentei falar:

ㅡ Tio Vertinho? D-digo, professor Weverton!

A sala inteira pôs-se a rir.

ㅡ Diga, meu filho.

ㅡ Tem algum apagador por aqui?

ㅡ Mas há pouco a diretora havia amarrado um apagador em cada sala, não foi?

ㅡ Foi um dos planos mais feios que eu já pude ver, ha, ha! Vai por mim, não é difícil cortar aquele barbante.

ㅡ Então alguém chegou lá...

ㅡ E cortou! Sabe-se lá pra onde levou o coitado do apagador.

Eis que me forjou o ecoar da voz daquela ninfa! Levantando-se dos fundos da sala, junto a um armário de ferro que se ruía aos poucos, ela me voltou o seu falar:

ㅡ Você tá falando desse apagador?

Ela estava com o apagador da minha sala em mãos. Disse-me, também, que caso o quisesse, deveria pegá-lo. Como diria meu professor de literatura, seus olhos eram olhos de ressaca. Eram-me algo mítico, que me havia hipnotizado. Miravam-me com um tom ora acusador, ora erótico, ora zombeteiro. De quem são estes olhos que falo? Sim, eu falo da garota que eu mais amei em toda minha vida, chamada Marinete Cordeiro.

Zombeteiro... Cordeiro... Mesmo que não houvesse de propósito sido, abane a cabeça, caro leitor; ria de mim como se ri dos velhos poetas. Ou me julgues por inspirar-me ao vê-la, ao lembrá-la, dando a mim todas as vezes uma atmosfera por demais poética e lírica, de rimas e afagos! Ria-se-me, caro leitor! Eis-me rindo idem. Ou me eis em prantos... Valha-me, ó céus, que indecisão! Não sei se me ponho a rir ou a chorar! Certamente é pela chegada do fim de ano. Eis cá a data malévola que me levará a alegria e trazer-me-á a saudade!

Deixemos a fuga da narrativa de lado.

Ela me sorria. Era impossível não me derreter. Um de seus cachos lhe caíra sobre a face, e ela o buscou com a mão esquerda, jogando-o por trás da orelha.

ㅡ Tu vai vir ou não vai? ㅡ E inclinou a cabeça para o lado.

Como eu iria? Meu corpo já não me obedecia mais. Era como se um inseto me picasse e lançasse-me seu veneno. Só que, no caso, o inseto era a pessoa mais linda da terra, e a presa, um mero aluno do primeiro ano do ensino médio. E o veneno, sendo ele tão forte e teimoso para ir-se embora, não seria nada senão o fogo da paixão que me fluía dentre as veias.

Sim, com certeza daria para escrever uma música sobre isso!

Provavelmente seria um sertanejo ou um brega.

Decidi que iria buscar o apagador. Qual era a dificuldade? Eu só precisava andar metade da sala, pegá-lo das mãos da mulher mais venusta, graciosa, pitoresca, garbosa... Que se vá esses elogios para longe! Tais pensamentos eram o que me atrapalhavam. Dera-me ódio!

Meti-me em passos morosos. Dera o primeiro, o segundo; no terceiro, já sentia que minha perna iria aprender um gingado novo e começaria a tremer-se toda. Ir-se-iam mais ainda as minhas forças. Pus, portanto, em minha cabeça, que tudo era um gigantesco exagero de minha parte. Fi-lo a mirar o chão. Levantando a cabeça, aquele bambolear retornou. Novamente, que ódio!

Ela, porém, provavelmente notara minha excitação ㅡ  eis a polissemia correta ㅡ e tomou-me pela mão. Aproximou-me e deu-me o apagador. O que senti foi apenas um fortíssimo choque. Ela me disse algo... mas o que era? Não me lembro. Eu estava apreciando-lhe os olhos, os cachos, tudo! Surgiram as risadas de fundo.

ㅡ Abner ㅡ chamou-me o professor ㅡ, acho melhor tu ir à diretoria, viu?  Além de estar atrapalhando a minha aula, você também está doente.

ㅡ Hein? Mas eu não tô doente!

ㅡ Sério? Então o que explica essas bochechas parecendo uma pimenta?

Foi-se Em Uma KombiOnde histórias criam vida. Descubra agora