PARTE UM; sangue em brilho
— Pattaya, 2022
Começou no estômago. Sempre começava assim. Sky sentia as bordas retorcendo de um jeito assustador, os músculos da barriga traçando uma linha de tensão do topo até a base. Depois vinha o fogo na garganta, vivo e ardente, quando ele não conseguia segurar e acabava vomitando. Foi no chão daquela vez, bem ao lado da pia. O jato saiu todo esquisito, com um gosto horrível, como acontece quando não se tem nenhuma comida para botar pra fora e o corpo precisa arranjar um jeito de eliminar algo no lugar. Se continuasse naquele ritmo, em pouco tempo pedaços inteiros do seu interior estariam sendo cuspidos.
— Libera o banheiro, caralho!
Estavam acontecendo já há algum tempo, os vômitos. Sky só não sabia dizer se o início havia sido mesmo com o cliente 0-2, porque às vezes era estranho pensar que sim, mesmo que ele fosse um cara horrível, grotesco demais. Ele machucava em todos os lugares, porque não sabia tocar direito e gostava de acreditar ser o melhor. E apesar de não ser difícil aparecer clientes ruins que faziam doer na carne, nenhum nunca chegava perto do 0-2. Havia algo nele que deixava Sky mal do estômago; sensação física mesmo, substância estragada sendo injetada direto nas veias, tornando inevitável o vômito depois que o movimento das pernas retornava e os dedos dos pés deixavam de formigar.
Os socos na porta ficaram mais fortes, e o trinco metálico tremeu, ameaçando cair.
Ainda tonteando, Sky limpou a boca com o punho fechado, esfregando até doer. As bochechas ficaram grudentas quando arrastou até elas parte do gloss que estava sempre lubrificando seus lábios àquela hora da madrugada. Era um produto de marca ruim, difícil de tirar mesmo com água e sabão, então a umidade das lágrimas não serviu para nada além de mostrar que elas existiam ali, e existiam porque Sky estava destruído.
— Porra, você é muito sem noção! Abre a porta!
A imagem refletida no espelho não se parecia com ele. Era apenas aquela fantasia repulsiva que acabava vestindo de vez em quando, uma de garoto que não sabe o que está fazendo com a própria vida. Nesses momentos, Sky quase voltava a ser criança, incapaz de pensar no que mais poderia fazer com tudo o que se movia por dentro de seu corpo além de querer socar o que estivesse à sua frente.
— Ei, Sky... Está tudo bem?
Ele sentiu o coração alavancar de susto ao ouvir a voz de Pen, uma das garotas do pole dance. Era fácil de reconhecer o som dela, tinha uma base sempre triste e desolada, daquelas que faz você ter a sensação angustiante de que, se não der a devida atenção, algo terrível pode acontecer. Mesmo assim, Sky continuou sem responder. Não tinha como naquele momento, não naquele estado. Sabia que não conseguiria nem se tentasse.
Melhore a cara, pensou, botando esforço em controlar a própria respiração. Melhore a cara, vamos. Seja um bom garoto.
Prendeu o ar na boca, contou até trinta segundos e depois soltou lentamente. Tinha que se recuperar, e logo. Ainda eram 3h da manhã.
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Origamis de Pele | prapaisky
Fanfiction| CONCLUÍDA | two-shot | +18 | Sky aprendeu cedo que tudo aquilo que possuía era o trauma de uma infância difícil, mágoas por quem já não estava mais perto e o próprio corpo. Por isso, aos vinte e três anos, ele ainda precisa sustentar sua dupla ide...