Capítulo 1 - Você deveria ter dito não (e talvez ainda me tivesse)

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— Melissa? – Senti uma mão tocar em meu ombro e me virei ao ouvir a voz fina e doce de Aniella, a garota que eu estava ansiosamente esperando.

Me levantei e me virei para ela, cumprimentando-a com um beijo no rosto. Ela deu a volta na mesa e sentou-se na minha frente enquanto eu ainda estava inebriada com seu perfume.

— Oi, Ani. – O sorriso bobo no meu rosto não diminuía, e eu podia imaginar minhas bochechas cheias. – Acho que é a primeira vez que não te vejo com uma camiseta de banda ou preta.

A garota de cabelos platinados riu, passando suas longas mechas para trás do ombro.

— Eu não uso roupa velha para me encontrar com garotas bonitas – disse, me olhando intensamente. Abaixei o olhar e mexi no menu a minha frente, feliz.

Não que eu ligasse. Quando a vi pela primeira vez no ônibus, Aniella usava uma camiseta do Aerosmith e eu automaticamente soube que a nossa trilha sonora seria I Don't Want to Miss a Thing. Não por ser a única música da banda que conheço, mas por ficar perfeita em um instrumental para a valsa de duas noivas com vestido princesa, uma de branco e outra de preto.

— Esse verde combina com o seu tom de pele – falei e me arrependi. Sério, Melissa? Esse é o seu melhor?

— Você entende de colorimetria? – Perguntou. – Sempre tive curiosidade, mas não tenho coragem de pagar o preço e possivelmente me decepcionar.

— Em pessoas, não, mas eu faço arquitetura, tenho uma noção de combinações.

Aniella ergueu as sobrancelhas, parecendo surpresa.

— Sério? Caramba, eu poderia jurar que você era de exatas. Algo como T.I., ciência da computação.

Fiz uma careta, impressionada por passar uma impressão tão ruim para as pessoas.

— Você realmente se sujeitou a sair com uma pessoa que achava que era de exatas?

Tá, ok, o campus onde estudamos é setenta e cinco por cento de cursos de exatas, as chances seriam grandes, mas ela foi... específica.

— Não tenho preconceitos. – Deu de ombros. – Você tem cara de inteligente.

Fechei os olhos para que ela não me visse revirá-los e prensei a boca rapidamente, me segurando para não perguntar se ela só supôs isso por eu ter ascendência japonesa.

Eu sabia que era. Sempre é. Só não queria quebrar a cara, afinal, ela era bem bonita.

Se ela não repetir isso nunca mais, eu talvez ainda a peça em casamento na roda gigante do Rock in Rio.

— Quer pedir alguma coisa? – Desviei do assunto. – Estou morrendo de sede.

— Claro! – Ela segurou o menu, exibindo suas unhas pintadas de preto. Elas eram longas, exceto por duas. A garota estava preparada, se é que me entende, e isso me assustou um pouco.

Nós temos um longo histórico de troca de olhares no ônibus, mas somente dois dias de conversa online depois de ela chegar em mim pedindo o meu telefone.

Fingi que estava lendo o menu, mas já tinha vindo nessa hamburgueria antes e sempre peço a mesma coisa. Logo que ela abaixou a folha, a imitei e fiz sinal para a garçonete.

— Oi, tudo bem? – Ela assentiu com a cabeça. – Eu gostaria de um milk shake de morango e uma porção pequena de mandioca frita, por favor.

Se você acha estranho pedir uma porção ao invés de um hambúrguer, certamente não tem uma boca pequena e uma grande facilidade de se lambuzar toda comendo um.

— Quero um chá gelado e o hambúrguer três – pediu Aniella, entregando os menus para a moça, o que foi bem idiota, já que eles também tinham sobremesas. Logo que a garçonete se foi, ela me olhou enquanto mexia na decoração no centro da mesa. – Você não está com fome?

— O milk shake enche o estômago. – Meias mentiras não fazem mal a ninguém.

— Eu quase me senti mal por ter pedido um lanche tão grande quando ouvi seu pedido, mas esse é o meu estilo.

— Que bom, não precisa fingir ser quem você não é comigo. – Sorri, mesmo me sentindo patética por dentro. Era exatamente o que eu estava fazendo para não passar vergonha!

Deus, se existirem vidas além dessa, por favor, me faça uma mulher que come de forma elegante na próxima.

— Você gosta de que tipo de filme? – Ela encostou o rosto nas duas mãos, seus cotovelos apoiados na mesa. – Podemos assistir alguma coisa depois daqui...

Seus olhos deixaram bem claro que ela não ligava para o tipo de filme que eu iria responder. Eram só quatro da tarde, afinal de contas, seria bom um lugar mais seguro para darmos os famosos beijos do que na rua.

— Quer ver o que está passando no cinema? O shopping não fica longe.

— Pode ver? Meu celular está quase sem bateria – pediu.

Assenti, pegando o celular da bolsa e gritando mentalmente de ódio quando o meu teclado travou na hora de digitar no navegador. Meu celular está sempre lento, mas nessas horas cada milissegundo me pareceu uma eternidade.

Eu queria olhar para ela. Muito.

Foram meses com olhares furtivos, tentando não ser notada naquele ônibus lotado. Aniella subia quatro pontos depois de mim e nunca conseguia um lugar para se sentar, e todos os dias eu desejava ter a coragem de perguntar se ela não queria que eu segurasse sua mochila – que sempre parecia estar a ponto de estourar o zíper de tão cheia. Ela cursava fisioterapia, então imagino que livros enormes de anatomia deviam estar em seu interior –, mas não queria deixar óbvio que estava olhando para ela nem parecer uma idiota completamente apaixonada para a minha melhor amiga, que pegava a condução comigo.

Pelo menos não tão idiota, já que Louisa sacou que eu estava a fim da gótica do ônibus em uma semana, mesmo com eu sendo discreta ao máximo.

Quando finalmente carregou, eu só desisti e estendi a página aberta para Aniella, aproveitando minha chance de vê-la distraída olhando para a tela. Percebi que suas maçãs do rosto eram naturalmente bem marcadas e precisei controlar minhas mãos para não tocá-la. Eu já estava enlouquecendo de vontade de beijar a garota, se eu segurasse o seu rosto seria questão de segundos para puxar sua boca para a minha.

— Esse aqui começa em uma hora, o que acha?

Passei os olhos pela sinopse – eu não também não ligava, para ser sincera – por alguns segundos antes de responder.

— Ótimo! Dá para comer tranquilo e chegar lá em tempo de comprar os ingressos.

Aniella sorriu para mim e eu senti um friozinho na barriga. Caramba, a boca dela é tão... perfeita. Aquele lábio inferior cheio deve ser mais macio do que o meu travesseiro.

— Garotas - interrompeu o garçom, tirando nossos pedidos da bandeja que segurava e colocando-os na mesa –, bom apetite.

Foi então que eu vi. Gigantesca, enorme e verde, transpassada por um palito em cima do hambúrguer.

E os dedos dela, em câmera lenta, indo em direção a ela. Tirando o palito dali e levando aquela bolinha nojenta para dentro da sua boca.

O frio da minha barriga subiu rapidamente pelo estômago e eu tive que segurar a ânsia de vômito.

De jeito nenhum eu iria beijá-la hoje. Ou em qualquer outro dia.

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