Um embrulho dourado no pé da árvore me chama a atenção. São 5 horas da manhã, e eu sei que ainda é cedo demais para se acordar. Na verdade, eu mal consegui dormir. Esse embrulho não estava aqui ontem à noite, quando eu fui me deitar com meu marido. Lembro de cada embalagem que fiz junto dele para guardar as surpresas de nossos filhos nesse Natal. Uma caixa vermelha para a Leslie, uma azul para o Noah e outra prateada para o Gabriel. Essa caixa dourada, no entanto, não estava entre os presentes que pusemos sob a árvore ontem. Acho melhor não mexer nela.
Segui minha rotina de manhã natalina preparando o café para a família. Café bem preto para o meu marido, chocolate quente para as crianças e rabanadas para todos. Eu sabia que logo estariam de pé, todos dormiram muito cedo ontem à noite. Imagino que isso tenha sido culpa das brincadeiras na neve que cansam qualquer um. Quando voltei à sala para acender a lareira, o embrulho dourado novamente chamou meu olhar de forma bruta, como um assovio alto em uma rua pouco movimentada. A curiosidade me subia as tripas em um sentimento grosseiro de ansiedade. Acendi o fogo e me sentei na poltrona mais próxima da árvore, os olhos ainda estudando a caixa de longe.
O presente era grande. Uma caixa comprida como se comportasse tacos de beisebol, mas larga o suficiente para guardar botas de cano curto. Estava deitado no chão, me chamando, implorando para que eu o abrisse.
Joelhos ao chão, o puxei para mais perto e investiguei seu exterior. Era pesado e pouco se moviam as coisas lá dentro. Encontrei em sua lateral uma etiqueta com o meu nome escrito. Reconheceria aquela letra em qualquer lugar. Um presente do meu marido. Que graça. Imagino que não tenha problema abrir o meu presente no Natal.
Meus dedos rasgaram a lateral do papel dourado tão reflexivo que era possível ver meus olhos entusiasmados por ele. O deixei sobre o chão, ao lado da grande caixa e com as mãos hesitantes de ansiedade, agarrei as laterais da tampa. 3... 2... 1! E a caixa se abriu. Meu rosto foi de um sorriso animado para uma expressão séria e então a mais pura representação do terror. Enfileirados na caixa, firmes em seus lugares por excessos de papel e jornal por todo seu entorno, estavam as cabeças de Leslie, Noah e Gabriel. Olhando para mim. Olhando para a minha alma. Olhos vazios e sem brilho, arregalados em terror como os meus. Suas peles brancas com mais sangue por fora que por dentro e os cabelos encharcados com o que eu não sei dizer se era suor de medo e cansaço ou sangue uns dos outros. Meu peito não aguentava tamanha surpresa, subia e descia de forma tão frenética que eu podia o ouvir chiar alto.
"Feliz Natal, querida" disse uma voz sorridente às minhas costas. Meus olhos só conseguiram mover-se o bastante para encontrar o embrulho dourado. "Achei que fosse me esperar para abrir os presentes" completou o reflexo do meu marido levando a xícara de café aos lábios.
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Jardim de Pérolas
Short StoryContos que saíram de uma gaveta empoeirada e foram parar em um livro. Obras criadas e bem tratadas, polidas e repletas de amor. Um jardim particular que agora conta histórias.