Capítulo 1 Eleonor

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~Quando achar que não pode piorar, ore para que não piore mesmo~

A rotina exaustiva recomeça mais uma vez. Acordar às 3 da madrugada, arrumar a mochila de roupas e medicações, fazer pelo menos um sanduíche para não desmaiar de fome durante o dia, verificar se tenho dinheiro caso aconteça alguma urgência, colocar ração em um pote de sorvete e claro, andar 4 quilômetros e meio até chegar ao hospital. A minha mãe descobriu recentemente um câncer no útero por ter sido descoberto recentemente ela ficará bem com os tratamentos, mas é aí que vem a merda. Os hospitais públicos têm filas imensas para este tratamento e a saúde da minha mãe é muito mais importante, por isso agora estou afundada em dívidas pelos próximos o que? 37 anos? Talvez mais se os juros da dívida aumentarem daqui alguns meses. Amo que o Brasil nos dá uma oportunidade de ter medicamentos a custo zero, mas por outro lado as filas extensas causam mortes de milhões de pacientes, médicos que muitas vezes nem olham na sua cara te mandando para casa dizendo que está bem e quando você menos espera, falece. Não quero perder a minha mãe por isso não me importo de ter uma rotina de dois empregos só para dar a ela uma saúde um pouco mais de qualidade.

Já andaram de madrugada na rua sozinhos? É assustador e ao mesmo tempo libertador. Você olha as ruas em um silêncio total, tá nem tão silencioso assim por causa dos cachorrinhos caramelos lindos na qual sempre dou um pouco de ração, eles sempre me esperam na rua 203 e depois me fazem companhia até chegar ao hospital. Me deparo com Salsicha, um cachorro que pelo que me parece é o líder da gangue que me acompanha pelo caminho, o apelidei desse jeito por causa do seu formato de salsicha rebaixado, a gangue consiste em Salsicha o líder, Sol a única cadela da gangue, Pitchula o cachorrinho mais rechonchudo e por fim Caramelo, o cachorro que devia ter ganhado o seu rosto na nota de duzentos reais. Todos eles se aproximam ao me ver chegar, abro minha mochila pegando o pote de sorvete e me deparo com os quatro enfileirados esperando ser colocados as rações em seus determinados potes de margarina.

— Vocês são muito inteligentes, como alguém pode ter abandonado seres tão iluminados? - divido a ração entre os quatro guardando o pote de volta na mochila -

Nunca vou entender o ser humano, abandonar os animais indefesos em um mundo com tanta gente ruim nas ruas. Caramelo foi o primeiro a terminar sua ração e veio correndo em minha direção para levar um cafuné. Esses momentos são os que me dão forças para continuar. Assim que todos terminam de comer começamos a caminhar, posso ser chamada de louca se alguém olhar para mim neste momento, conversando com cachorros e para piorar eles latem como se estivessem respondendo as minhas perguntas. Sinto que eles me entendem de verdade e a melhor parte é que não irão me julgar e permanecerão ao meu lado.

Ao virar a última esquina próximo ao hospital me deparo com um homem usando máscara e boné, meu segundo medo da vida que perde somente para dois caras em uma moto. Ele me olha se aproximando lentamente, ele leva seu braço direito até as costas pegando uma faca de seu bolso. Hoje vou perder meus únicos 24 reais e possivelmente perderei a vida, mas uma coisa que me deixa apavorada é que não irei apenas morrer, meu corpo provavelmente será violado me causando uma dor pior que o da morte. Minha gangue canina se prepara para defender, devo fugir? Eu sei me defender muito bem, talvez consiga o imobilizar. Mas e se eu não conseguir? Os super heróis atacam o homem que começa a chutar o ar para afastar os cães, Sol late para mim como se quisesse pedir para que eu a siga. Começamos a correr enquanto os meninos distraiam o homem, sigo a Sol sem pensar duas vezes me afastando cada vez mais do hospital.

Medo. Eu estou morrendo de medo. É a primeira vez que isso me acontece e apesar de eu ter preparado tudo que é plano na minha mente para escapar dessa situação, eu tô com medo!

Virando em uma rua trombo com algo me fazendo cair, Sol se coloca na minha frente.

— De novo não - sussurro-

Minha respiração está descompassada e a minha mente está uma confusão, e se esse cara for um comparsa? Eu tô com medo. Tentei controlar minha respiração tomando coragem e olhando para o homem em minha frente, ele segurava um buquê de flores mega coloridas, usava moletom e calça de malha.

— Você está bem? - pergunta ele com uma voz grave que me faz bambear as pernas -

— Não - isso o deixa confuso - tem um cara me seguindo - se o encontrei aqui, não custa nada pedir ajuda -

O homem desconhecido estende sua mão me ajudando a levantar, me entrega o buquê de margaridas.

— Me diz aonde ele está

— Ele tem uma faca - digo exaspererada. As flores são cheirosas -

— Não importa! - exclama se colocando em minha frente. Ele é doido? - Ele precisa ser parado.

Aponto para a rua de baixo

— Próximo ao hospital? - assento com a cabeça- você está doente?

— Não sou eu doente, a minha mãe que está internada

O homem misterioso arregala os olhos como se entendesse pelo que estou passando, minha gangue de heróis chega correndo latindo desesperados quando aparece o homem de boné. O homem misterioso me afasta empurrando de leve para trás, os cachorros puxaram minha calça como se quisessem me afastar do perigo. Me afasta ficando longe o suficiente do perigo e preparada para correr se algo acontecesse.

O bandido ataca o homem misterioso com a faca, ele consegue desviar revidando em um soco inglês na cara do homem de boné o deixando desnorteado, mesmo tonto ele continua atacando enquanto o misterioso desviava como se fosse a coisa mais fácil do mundo, o ladrão então muda um de seus golpes conseguindo abrir uma ferida no braço do misterioso que urra de dor. Talvez a dor tenha lhe despertado super poderes pois ele consegue retirar a faca da mão do bandido e o levanta pra cima o jogando no chão lhe dando diversos socos do rosto até que sem forças faz o bandido desmaiar. Suspirei de alívio mas ao ver seu braço minando sangue o desespero retorna em minha mente.

— MEU DEUS!!! - Falo mais alto do que devia atraindo sua atenção - v-você está sangrando muito

Abro minha mochila encontrando uma camiseta reserva que sempre levo por precaução. Me aproximo e ele deixa que eu o toque, ele arregaça as mangas de sua camisa para cima me permitindo usar minha garrafinha de água para limpar o ferimento, não é profundo apenas um corte quase que superficial. Ele emite uns grunhidos baixos enquanto jogo a água em seu braço, provavelmente está ardendo. Amarro minha camiseta enfaixando seu braço para que não espalhe sangue para mais lugares.

— Obrigado - eu já disse o quanto essa voz me atrai? -

— Eu que deveria agradecer - digo guardando a minha garrafinha - aqui - lhe entrego o buquê de flores

— Pode ficar - ele me entrega o buquê novamente - Você é a pessoa certa para ficar com ele

Esse buquê seria para quem? Uma ex namorada que se recusou a perdoar uma possível traição? Não me importo, as flores são cheirosas e vão ter um final melhor no quarto de minha mãe.

— Obrigada novamente - encontro uma caixinha de bandaids de personagens infantis e retiro um para colocar em um machucado da mão do homem misterioso - espero que não tenha preconceito com Bob Esponja.

Ele sorri e que sorriso.

— Meu desenho preferido - ele estende sua mão e eu colo o adesivo - nunca vou retirar

— Vai infeccionar se você nunca tirar e lavar essas mãos - sorrio em resposta -

— Posso te acompanhar até ao hospital?

— Se meus grandes heróis permitirem, aceitarei de bom gosto.

E o homem misterioso faz o que nunca imaginei, se agacha e pede permissão a minha gangue de heróis. Merda. Quero me casar com um cara desses.

Hora CertaOnde histórias criam vida. Descubra agora