IV | saliva

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No Centro Vermelho, conheci Jo, a ômega que terá o filho dos Bradoc. Ela era genuinamente bonita e alegre. Esperançosa até um ponto irritante, com discursos pró-sistema, conversas sobre sermos abençoados. Uma lunática completa, mas uma feliz. 

A felicidade dela durou uma semana. 

Todo mundo sabia que um dos Olhos, guardas do sistema, a tinha estuprado em algum ponto-cego do Centro Vermelho porque, repentinamente, ela se tornou uma insubmissa. Relutava em obedecer e fazia piadas vez ou outra. Agia como se pudesse comer os Olhos e as aias-mães com um garfinho e uma faquinha de cortar pão. A selvageria súbita dela não poderia ser tolerada.

O Olho era um alfa estéril. Vamos esclarecer que a infertilidade o fazia ser considerado impotente, um reles funcionário sem posses ou posição social elevada, como um Beta comum. E, para alguns homens, isso é inadmissível. Eles precisam impor sua força de alguma maneira. Sobre alguém.

Um dia eles simplesmente levaram Jo. Ela sumiu por dois longos dias e, ao retornar, não tinha mais o olho esquerdo.

"Se meu olho te escandaliza, arranca-o", foi o que Benny, o que provável único amigo que tive na vida toda, me disse naquele dia, explicando por que eles arrancaram o olho dela. Era uma passagem bíblica, mas, se for pra por em pauta, não acho que tenha algo a ver com fé. Tudo sobre eles se trata de controle.

"Animais reprodutores não precisam de olhos", Benny acrescentou. "O Olho foi fuzilado num Muro de Lamentações. Ela foi considerada insubmissa e punida adequadamente."

Benny era ômega, e nós nos separamos depois do Centro Vermelho. Não sei se ele está vivo, o que me deixa muito atordoado porque éramos amigos de infância.

Jo piorou gradativamente depois disso. Foi uma coisa difícil de assistir. Ela ficava nua no meio da noite, balbuciando coisas, falando sobre porões escuros, gaiolas para humanos, experimentos e masmorras, instrumentos de tortura e demônios mascarados.

Ela se recusava a comer e depois tinha alucinações. Nós percebemos que ela estava louca e tentamos alertar as aias-mães e as tias, mas elas não ouviram. Se Jo era fértil, então ela seria uma aia. Não importava o que havia na mente retorcida dela.

Ainda lembro da noite em que Benny e eu a pegamos bebendo urina. Eu sei o que está pensando: "Que nojo", ou "Que horror", mas ela nem era a primeira a surtar completamente. Benny e eu a vimos escondida em um armário de vassouras, abaixada e catando a própria urina com uma vasilha.

"Talvez isso me deixe infértil", ela dizia. "Talvez assim eles me matem mais rápido"

Benny e eu a limpamos e a levamos de volta pra cama. Ela começou a delirar em algum momento, falando sobre dedos sendo enfiados nela sem sua permissão, mas Benny a estapeou para que ela recobrasse a razão.

Honestamente não sei por que eles deixaram que Jo fosse levada a uma casa com senhores quando todos nós sabíamos que ela era instável. Ela ainda deve ser. Pobre garota.

É manhã quando encontro Odete na entrada da mansão. Nós vamos às compras uma vez por dia ou uma vez a cada dois dias. Isso nos dá algo pra fazer, é o que dizem.

Odete me cumprimenta e diz que o dia está bonito, pela graça de deus, e eu respondo que ele é bom conosco quando não merecemos. Não estamos sendo religiosos de verdade, é só porque tem um Olho passando e ele tem um rifle.

"Vamos visitar Jo amanhã, pelo que eu soube", ela comenta. Estamos muito visíveis onde estamos, não é seguro falar sobre o que não devemos. Não no caminho para o mercado e não agora. "Ela já está com oito meses, dá pra acreditar? Minha senhora disse que ela esteve reclusa porque a gravidez é de risco, pressão alta, eu acho, mas com a graça de deus o filhote virá saudável"

the omega's tale [destiel fanfic]Onde histórias criam vida. Descubra agora