8 ANOS ATRÁS
CATHARINA CARVALHO
Eu queria me arrumar melhor naquela noite, vestir algo mais bonito, passar uma maquiagem mais chamativa, apesar do evento não passar de um jogo de interclasse universitário, com várias turmas de diferentes cursos participando. Raramente participava de algum evento público promovido pela universidade, apenas algumas palestras eu fazia questão de ir. E com aquele jogo, em geral, não seria diferente, normalmente inventaria uma desculpa para despistar as meninas, mentindo que estava doente ou que precisaria passar a noite na casa da minha avó. Alegaria isso, se não estivesse tão obcecada em estar nos mesmos lugares que ELE. O rapaz que não deixava meus pensamentos em paz.
Tudo começou na festa de recepção dos novos calouros do curso de Direito, há dois meses. Eu já estava há um semestre na faculdade, então participei como veterana no festejo, apesar de ainda não ter um ano no curso para ser considerada uma. Foi fora da universidade, em um clube com direito a piscina, churrasco e bebidas alcoólicas. Farra totalmente organizada pelos estudantes veteranos, que também pregaram trotes abusivos, obrigando os calouros a ingerirem grandes quantidades de bebida, só para empurrá-los depois na piscina. Dois ou três chegaram a passar mal; um foi parar na UTI do hospital, em coma alcoólico. Uma barbaridade sem precedentes. E no dia seguinte, houve rumores de outras coisas, como a circulação de drogas na festa, e até orgias entre os estudantes.
Durante a comemoração, fiquei o tempo todo ao lado das meninas. Ágatha, Elisa e Sophia. As mesmas que tinham insistido para que eu viesse, argumentando que seria bom e que eu precisava me divertir um pouco, sair de vez em quando, e não ficar enfurnada o tempo todo dentro do quarto com um livro de direito constitucional na mão.
Fui para não parecer chata. Afinal, vinham sendo minhas companheiras naqueles primeiros meses de faculdade, tudo devido a um trabalho em grupo que nos aproximou logo na primeira semana de aula. E eu estava agradecida por isso, pois todas as minhas antigas colegas do ensino médio tinham seguido cursos diferentes ou ingressado em outras universidades, e com o trio, eu me adaptava melhor àquele novo ambiente. Então fui para o trote. Não que tivesse sido diretamente convidada, apesar de ser uma festa informal, mas uma das meninas, a mais popular entre nós, sim, e de quebra, levou nós três.
Foi pior do que eu tinha imaginado. Um monte de estudantes bêbados, malucos, de todas as idades, e pessoas que nem faziam parte do círculo estudantil. Uma baderna. Logo me arrependi. E o desconforto só piorou quando recebemos cantadas fajutas de rapazes embriagados, que assobiaram e ficaram nos rondando durante a festa.
Às meninas beberam também, ficaram à vontade, outras garotas também se juntaram a nós. Bebi pouco. Olhava para tudo aquilo morrendo de vontade de sumir dali. E à medida que elas se embriagavam, fui ficando mais isolada da conversa, por não estar acompanhando o mesmo ritmo e nem rindo atoa.
Naquele dia bebi apenas duas latinhas, nada muito exagerado para não ficar tonta. Além da pouca experiência com álcool, era perigoso demais ficar totalmente à mercê daquele povo, com as brincadeiras sem graça. E alguém do grupo precisava ficar sóbrio para evitar justamente virar o centro da chacota. E enquanto a turminha se perdia em risadas escandalosas e conversas afloradas, fiquei olhando para os garotos bêbados dançando, se jogando na piscina ou sendo empurrados nela. O desconforto não me abandonou e mesmo que significasse abandonar as meninas ali, fiquei louca para ir embora. Os minutos se arrastaram e já estava cogitando inventar uma desculpa para cair fora dali quando meu olhar se deparou com um par de olhos me encarando fixamente.
Lembro que fiquei acanhada, sem jeito, bem envergonhada pela atenção, mas não desviei o olhar, presa a ele. Era um jovem bonito, moreno claro, estava com o cabelo bagunçado, e uma menina, sentada apenas de biquíni fio-dental ao seu lado, passava distraidamente os dedos pelos fios escuros. Não escondia o interesse, jogando sorrisos sedutores, e bebendo do mesmo copo que ele. Talvez fossem namorados, ficantes, apenas mais um caso de namorico universitário. Seja lá o que fossem, não foi capaz de tirar a atenção dele sobre mim.
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BEIJOS QUE CURAM
RomansaCatharina Carvalho: uma mulher amargurada com a vida, que desde muito nova teve que aprender a lidar com a rejeição da mãe, sem saber o real motivo. Sua vida muda drasticamente quando, na adolescência, é machucada fisicamente, em uma festa universit...