TOMO 2 - ATAQUE TRIPLO
AS FÉRIAS ESCOLARES daquele ano estavam no meio quando decidi mostrar o que se escondia no subterrâneo da minha casa aos meus dois amigos, Ricardo e Antônio. Aquela época triste entre o Natal e o Ano Novo tinha passado, o mês de janeiro já caminhava para a sua metade e, em breve, nós três iríamos começar os desafios da oitava série. O último ano em que estudaríamos juntos.
Os dois chegaram ainda ressabiados ao meu portão. Os últimos meses tinham sido difíceis entre nós. Por conta da descoberta do esconderijo secreto sob a minha casa, eu tinha negligenciado totalmente a nossa amizade. Chegava atrasado à escola, saía correndo. Vivia em meu próprio mundo com as minhas anotações sobre o idioma estrangeiro do Computador do Amanhã sempre à mão, sem tempo para outras distrações a não ser decifrá-lo. Achava que compartilhar aquele segredo com alguém colocaria em risco o meu plano de combater a Corporação. Eu não poderia estar mais errado.
— A minha mãe está no trabalho agora. O que eu quero mostrar a vocês dois está lá embaixo. — E eu apontei a escada que dava para a garagem. A velha garagem do meu pai.
Ricardo e Antônio me acompanharam em silêncio. A tensão entre nós três era quase palpável. Eu não devia ter permitido que chegasse àquele ponto. Percebi ambos empertigados sobre a minha cabeça quando me acocorei no chão empoeirado da garagem e puxei para trás o velho carpete. Era difícil fazer qualquer coisa somente com o meu braço esquerdo funcionando e, então, o Ricardo se pôs a me ajudar. Logo, eles entenderiam como eu havia fraturado o outro braço engessado.
— Se você puder... — E eu fiz um gesto para dar a entender que ele devia puxar para cima a chapa metálica que se ocultava sob o carpete. Apesar do corpo quase tão esquelético quanto o meu e o de Antônio, Ricardo era o mais alto e o mais forte entre nós três. O que, claro, não era nenhum elogio!
As dobradiças do alçapão agora estavam mais macias devido ao seu uso constante. Ricardo abriu a porta com certa facilidade.
— O que tem lá embaixo? — indagou Antônio, visivelmente curioso.
— Vocês vão ver.
Com aquele simples diálogo a tensão entre os três se esvaiu. Amizades de verdade eram forjadas no aço escaldante, impossíveis de serem desfeitas. Não era ao acaso que eu havia decidido compartilhar a minha nova vida como o Pássaro Noturno com eles. Eu sabia que não havia ninguém em quem eu podia confiar mais.
Nós andamos os dez metros que separavam a escada metálica da porta que antecipava a entrada do esconderijo, e eu os fiz parar ali. Dava para ver na cara dos dois o quanto estavam maravilhados só em andar por aquele corredor escuro cujas luzes no teto se acendiam automaticamente iluminando o caminho.
— Preciso que entendam que tudo que vão ver aqui é secreto. Vocês não podem contar sobre isso para ninguém. Entendido?
Antônio deu uma risada nervosa antes de responder:
— Eu não ia nem saber explicar o que estou vendo para alguém!
— Fica tranquilo. Da minha parte não sai uma palavra sobre isso. — disse Ricardo, passando confiança.
Eu os fitei com seriedade e, então, a um passo de acionar o sensor de movimento da porta de entrada, eu os preparei:
— Ok, então. Tentem não pirar com o que vão ver!
Como esperado, Ricardo e Antônio ficaram bestificados com a visão daquele salão de vinte metros quadrados que os recebeu iluminando-se automaticamente. Ambos mal conseguiram conter a sua euforia.
Eu havia passado as últimas semanas organizando o lugar e, agora, além do console do Computador do Amanhã, do Sarcófago e da Matriz de Impressão, eu havia conseguido montar uma cristaleira para armazenar os equipamentos fabricados e tinha posicionado uma mesa de cinco metros de comprimento ao centro do salão.
Naquele momento, os meus cadernos de anotações, os desenhos de projetos e muitos rascunhos estavam espalhados sobre a sua superfície laminada. Havia também fragmentos e peças das armas que eu havia projetado para o traje do Pássaro Noturno, mas muita coisa estava inacabada. Até que o meu braço direito pudesse ser usado novamente, eu ainda teria que ver todos aqueles projetos interminados.
Passado o seu entusiasmo da primeira visão do esconderijo subterrâneo que eu mantinha ali há alguns meses, compartilhei com os meus amigos toda a história da descoberta daquele lugar, além das minhas teorias sobre o que era tudo aquilo. Contei sobre o idioma desconhecido com a qual eu me comunicava com o computador, falei sobre as semanas que passei quase sem comer e dormir na tentativa de traduzi-lo, detalhei a utilização da Matriz de Impressão e do Sarcófago, mostrei os três trajes do Pássaro Noturno que já tinha confeccionado, comentei do diretório de projetos bélicos que havia encontrado nos arquivos e mencionei a ASA.
— Você... Tem... UM AVIÃO? — Antônio estava surtando.
— Isso é sensacional! Quando vamos poder dar uma volta nele? — Animou-se Ricardo, me dando um empurrão repentino que fez o meu braço direito voltar a doer.
— Nós podemos dar uma volta na ASA qualquer dia. — Levantei-me da cadeira indo em direção ao computador. A representação gráfica da minha digital piscava no canto da tela, como da primeira vez que toquei o cristal. Acionei a projeção 3D do aeroplano com um comando no teclado. Mesmo para mim, acostumado a vê-lo pelo monitor há alguns meses, ainda impressionava. — Só que primeiro, eu preciso arranjar um jeito mais seguro de levantar voo e estacioná-la sem que ninguém o veja.
Contei sobre o campo abandonado e o hangar subterrâneo onde a ASA ficava escondida e começamos a pensar juntos numa forma de ocultar o avião de quinze metros de comprimento sem levantar suspeitas da vizinhança. Eu só o tinha usado uma vez e tinha sido por pura sorte que ninguém nos arredores do bairro o havia identificado ou alertado as autoridades sobre a presença de, sei lá, um OVNI!
Nenhum plano parecia bom o bastante para se fazer uso da ASA sem chamar a atenção dos moradores do Bairro do Encanto no processo e, nas horas seguintes, nos dedicamos então, a falar sobre o Computador do Amanhã.
— É mais maluco do que eu pensava! — falou Antônio lá de baixo, com a tampa do gabinete aberta e espiando para dentro do console. — Não tem nada que se pareça com o hardware de um computador comum. Não tem nenhuma fonte, ventoinha ou mesmo um processador visível. É uma placa-mãe totalmente... Alienígena!
Ricardo deu-lhe a mão para ajudá-lo a se levantar do chão. Rapidamente, Antônio tomou o assento diante da tela e começou a executar comandos aleatórios no teclado, atento ao que surgia diante dos seus olhos.
— Está dizendo que esse computador não foi feito no planeta Terra? — indaguei.
— Ele também pode ter sido feito no Japão. Tecnologia alienígena, japonesa... Quem saberia a diferença? — Algo em sua expressão me fez querer rir e ele continuou ali fuçando, copiando as minhas anotações do caderno.
— Por que o pai do Henrique ia manter equipamento alienígena embaixo da garagem da casa todo esse tempo? — questionou o Ricardo olhando na minha direção primeiro e na do Antônio logo depois.
— Ou mesmo equipamento japonês? — indagou-se ele, ainda de frente para o monitor.
Os dois estavam se divertindo ali a cada novidade que descobriam. Era um alívio poder compartilhar todos aqueles segredos com mais alguém. Trocar ideias ou simplesmente falar sobre todas aquelas coisas já estava me fazendo muito bem. Sentia que, pela primeira vez em muito tempo, teria uma ótima noite de sono sem aquele peso nas costas.
O mais engraçado de tanta conversa era que nunca chegávamos a nenhuma conclusão, algo corriqueiro em nossa relação de amizade. Mesmo na escola, quando sentávamos juntos para resolver algum problema relacionado a matéria do dia, falávamos sobre vários assuntos, dávamos diversas voltas, mas dificilmente concluíamos algum raciocínio. A resolução da questão sempre acabava aparecendo depois. Sozinha.
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Pássaro Noturno - A Saga da Corporação
ActionHenrique Harone é um jovem suburbano que leva uma vida pacata na cidade de São Francisco d'Oeste, interior de São Paulo. Quando encontra no subsolo da casa onde mora uma tecnologia além da sua compreensão, ele decide dar asas à sua imaginação juveni...