De volta a vida | INDEPENDENTE

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Lar, casa, morada, ninho.

Eu estava escorada no sofá do meu apartamento, olhando o teto e tentando controlar a vontade de chorar e gritar que me consumiam cada vez mais, quando escutei o barulho das chaves do outro lado da porta, sabia quem era, ele era o único que possuía livre acesso a minha casa, uma vez que minha família morava em outro país.

— Oi, vim saber como você está. — Ele disse após entrar e fechar a porta novamente, caminhou para perto. 

Ao ficar em minha frente, levantei a cabeça para olhá-lo e ele depositou um beijo no topo da minha cabeça. Eu tinha um costume de sempre mandar um bom dia para ele, seguido de alguma música, assim ele sempre ficava sabendo como eu estava me sentindo, dependendo do ritmo da música.

O que não aconteceu naquele dia, acordei e me senti tão exausta que mal tinha vontade de falar com alguém, então apenas segui a minha rotina de mandar algo avisando a minha mãe que estava bem e fazer as coisas cotidianas, faculdade e trabalho, mandei um bom dia para ele também, porém, sem nenhuma música.

— Estou cansada. Me desculpe, hoje não acordei com vontade nem de falar. — Ele sentou-se ao meu lado.

— 'Tá tudo bem, cariño. Você sabe que gosto muito quando me manda áudio, mas sempre entenderei quando não estiver se sentindo bem. — Sua fala me confortou, era sempre compreensível comigo, me deixava confortável independente da situação. — Você quer conversar? Estou aqui para isso.

— Sinto que vou explodir a qualquer momento, ansiedade, angústia, parece que tudo vai dar errado, tudo vai desabar, as escolhas que eu faço são sempre erradas — Ele escutava cada palavra atentamente, segurando minhas mãos e balançando a cabeça para que eu soubesse que estava prestando atenção. — Sabe, não gosto de me sentir assim e sempre tento fugir dessa sensação. Durante toda a minha vida, sempre preferi acreditar que meus problemas não eram nada comparado aos dos outros. Me sinto egoísta ao reclamar, independente do que for. — Soltei as minhas mãos das dele e as passei por entre meus fios de cabelo, jogando a cabeça para trás.

— Meu amor, olha para mim. — Pediu e assim o fiz. Ele levou suas mãos de encontro ao meu rosto e o segurou fazendo carinho com o polegar. — Jamais diminua suas lutas e dores pelas dos outros. Você é muito forte e 'tá tudo bem ceder de vez em quando, somos seres humanos, quando não estiver bem sabe que estarei aqui para você, cuido de você quando isso acontecer, não precisa mais ser forte o tempo todo. Sei que gosta de ser independente e forte, isso também fez com que eu me apaixonasse, mas me deixe cuidar de você de vez em quando, tudo bem? — Balancei a cabeça em concordância e ele deixou um selinho em meus lábios, em seguida encostou minha cabeça em seu peito e me abraçou.

Ficamos assim por um longo período. Nunca me senti confortável para me abrir com alguém, odiava chorar e odiava sentir-me impotente, a minha vida toda pensei que meus problemas eram poucos e não importava o que acontecesse, eu não poderia me aborrecer. Diferente de todo o período longe dele, quando o conheci, me senti leve e sabia que não precisava me manter forte a todo momento, ele esteve sempre presente em momentos que começava a sentir que iria desmoronar.

— Obrigada. — Soltei após um tempo em silêncio, aproveitando o calor e conforto de seus braços. Ele mais uma vez deixou um beijo no topo da minha cabeça e apertou ainda mais os braços à minha volta. — Acho que tudo acabou se acumulando, estresse do trabalho, da faculdade, saudades da minha família. — Desabafei, desenhando formas aleatórias em seu braço. — Se não tivesse você, não aguentaria muito e acabaria desistindo da faculdade. Sou feliz aqui, mas a falta que minha família faz é tão imensa que muitas vezes não consigo lidar. — Suspirei.

— Estou aqui para você e somente para você. Te amo, niña. — Ele se levantou e eu soltei um resmungo na mesma hora. Talvez estivesse carente, na verdade. — Vou fazer um chocolate quente, está frio.

Foi até a cozinha e eu me obriguei a segui-lo, apesar da preguiça, não queria ficar longe dele. Nossas rotinas eram muito difíceis e corridas, eu tinha os trabalhos e a faculdade e ele o trabalho, que conseguia ser mais exigente que meus dois trabalhos juntos.

— Como foi hoje?  — Perguntei me sentando na bancada, ele estava de costas para mim, derramando os ingredientes, que tinha pegado antes de eu chegar ali, na panela.

— Foi tranquilo, chuviscou um pouco, nada que nos tirasse de campo, mas não se preocupe, eu tomei um banho quente antes de vir e no caminho já não tinha mais nem um sinal de chuva. — Me conhece o bastante para saber que não gosto quando ele sai do quente para o frio, na verdade ele nem pode se resfriar, ossos do ofício.

Após alguns minutos mexendo os ingredientes na panela estava pronto, ele pegou as canecas que me deu de aniversário, que quando recebe um líquido quente, o objeto exibe uma foto nossa. Me entregou uma das canecas e sentou-se do outro lado da bancada.

— Está quentinho.  — Eu disse esfregando as mãos no objeto.

— É de se esperar né. — Soltou uma risada gostosa e eu não pude evitar sorrir junto, apesar de ter me sentido um pouco ofendida.

Definitivamente, sou apaixonada por cada pedaço desse homem, cada pequeno traço, não tem momento que eu não agradeça por tê-lo ao meu lado, nunca me senti tão em casa.

— Sei que me ama, mas não me olhe desse jeito.  —  Arqueei a sobrancelha, não entendendo. — Não sei se aguento tamanha ternura sem te pedir em casamento e um filho.

— Então você quer casar comigo?  — Levou a mão ao peito sentindo-se ofendido.

— Você ainda duvida? Não acredito!  — Neguei com a cabeça.  —  Foi para a faculdade hoje?

— Fui.  — Deixei a caneca sobre a mesa e passei a língua pelos lábios para limpar os resquícios do líquido.  — E você não vai acreditar.. 

— No que? — Fez a mesma coisa que eu havia feito e passou a prestar mais atenção no que eu dizia.

— Um professor que tive no primeiro período me pediu para que eu o substituísse por um dia em uma aula para adolescentes. — Sua expressão expôs a sua surpresa ao ouvir aquilo. — Eu fiz a mesma cara quando ele me pediu. — Zombei. — Pedi um tempo para pensar, eu já não tenho paciência, imagine dar aula de programação para um bando de adolescentes meninos. — Fez uma cara de descontentamento.

— Ui. Posso ir junto? — Balancei a cabeça negativamente.

— Ciúmes? Não se preocupe, eu ainda não decidi se vou.

—  Estou brincando, meu amor. — Colocou a mão sobre a minha. — É uma experiência diferente e é um dia só, não é? Deveria aceitar, não sabe como será. Estou aqui independente de como for. E se alguém der em cima de você, me conte. — Apontou para mim e acabei rindo.

— Claro, claro. 

Passamos o pouco que restava do dia conversando sobre nossas experiências engraçadas da vida. Um dia que tinha começado da pior maneira possível, se tornou um dos melhores. É incrível o poder que ele tem de me trazer de volta à vida, me sinto em casa ao seu lado, independente de onde estivermos.

UMA JORNADAOnde histórias criam vida. Descubra agora