"Você quer um bom caso? É isso que lhe darei. Deixo neste pedaço de papel à posteridade algo o qual vão ler, não aprender e estarão fadados a cometer"
Meu coração pesava como cada golpe que ouvia no beco próximo ao cassino perto do prédio em que meu escritório ficava, talvez alguém tenha quebrado a banca mas agora esteja sendo quebrado; me pergunto, até que ponto vale a pena ser rico ou tentar ser? Eu mato pessoas todos os dias, entrego casos a favor do maior valor, não sou o herói dos quadrinhos e muito menos o vilão dos grandes filmes, minha atitude varia de acordo com meu humor.
Mas vamos voltar em 5 de março do ano de 1987, minha carreira na polícia estava de vento em poupa e Brie, minha parceira, tinha um relacionamento abusivo, vivia estressada e triste, me lembro inclusive que em uma de minhas conversas tentei convence-la a sair disto mas ela negou e disse com o tom mais sutil "Você não entende, você não estava lá. Não sabe o que passei e como me senti na noite passada, eu só..." As palavras dela foram abafadas por uma batida de carro ali próximo da estação, fuga após assalto, as gangues estavam cada vez maiores e nossos números não acompanhavam; portanto era difícil cubrir toda área com eficácia.
Estávamos conversando no corredor de reunião de provas após termos voltado com do caso Trent, o homem que fazia lebre de gato.
Saímos da estação em direção ao carro, ela foi conferindo o banco por armas e nosso equipamento, eu ainda com o cabelo na altura do pescoço, uniformizado com o símbolo de uma estrela de cinco pontas dourada, camisa azul, suspensórios, coturno e uma jeans; Brie estava de cabelo preso, castanho desta vez, camisa social branca, a mesma estrela, jeans e coturno também.
Fomos em direção ao barulho e haviam seis jovens armados e com bolsas de dinheiro, atirando e correndo para o antigo armazém do porto. Brie apontou para o carro forte virado e pegando fogo junto a quatro viaturas e gritou:- Eles estão mortos, a unidade inteira!
Me lembro do desespero dela ao ver o fogo e as chamas tomando a cena.
Acelerei o carro em direção ao beco enquanto engatilhava a .45. puxei o freio de mão e Brie saiu do carro junto a mim, nos comunicamos por sinal e eu avancei, os meliantes jogaram o saco com dinheiro em um barco pequeno que já os esperava ali e saíram atirando pro alto, gargalhando...
Brie veio até mim com um olhar carinhoso:- A gente pega eles na próxima
Lembro de ter brigado com ela pois já era o terceiro na semana e nós nunca estávamos realmente perto, mas tudo se resolveu quando voltamos para o carro e conversamos de forma mais calma, esquentando as coisas devagar novamente e nos entretendo.
Na manhã seguinte, quando acordei em meu apartamento, um bilhete dizendo "Ele sabe, me mostrou as fotos, as gravações de conversas... Eu sinto muito, mas não podemos mais fazer isso ou ter o que temos. Ele me fez prometer que não falaria mais com você, pedi transferência essa madrugada mesmo, o capitão autorizou e não tem volta. Fica bem, te amo."
Naquela mesma manhã eu liguei para um grande amigo, um ex combatente de guerra e excelente ouvinte, C.K. era como eu o chamava. Vesti minha jeans azul rasgada, minha jaqueta de estampa verde clara e escura, uma camisa do Megadeth a qual era sua banda favorita e minha bota cor marrom de cano médio. Desci e cumprimentei o porteiro, Sr Jenkins ainda novo, que me disse que o capitão deixou uma carta para mim com ele, falei que na volta pegava e Sr Jenkins guardou novamente consigo o envelope.
C.K. foi me encontrar em um bar ali perto, estava vestindo uma bota de cano longo, jeans, jaqueta bomber e uma camisa do Metallica, ele era um rapaz mais alto que eu, cabelo encaracolado e de comprimento médio. Ele então disse ao atendente:- Duas malzbeer e uma coca ks por favor.
Eram oito da manhã e eu olhei indignado, então ele continuou com a voz preocupada enquanto me entregava um chocolate:
- Oh meu filho, olha só, pra tu me ligar a essa hora da manhã coisa boa não é. Portanto, bebe e come um chocolate enquanto me conta o que aconteceu.
Peguei a barra e já abri mordendo ela enquanto o atendente trazia as cervejas e a coca.
Disse tudo a ele, contei nosso caso e como as coisas eram boas até que falei sobre a carta e ao terminar, ele disse:- É amigo, parece que precisou de mais uma porrada do mesmo oponente pra aprender, não foi? Você é um bom rapaz, mas ingênuo, inocente e prepotente. Não é melhor do que ninguém e não passa de um entretenimento, uma hora você vai estar do outro lado e sofrer do mesmo veneno. Mas até lá, um brinde a teus atos.
Ele se serviu, eu abri a minha e virei numa só, ele pediu outra, conversamos mais e já era meio dia quando saí trançando as pernas, ele se ofereceu para me levar até em casa mas eu neguei.
Sabe, eu tinha que trabalhar aquele dia, mas não tinha mais cabeça. Assim eu mantive alguns dias, semanas, meses...
1990, 7 de abril, um homem ligou para a polícia dizendo estar ouvindo gritos em uma casa próxima, era na rua 42 e eu estava na ronda, sozinho pois não aceitei nenhum outro parceiro e embora o capitão me acompanhasse em alguns casos, nesta ronda ele não veio.
Acionaram meu rádio, me explicaram que era suspeita de agressão doméstica e ouvi a voz do capitão no fundo:- Porra! Não põe ele pra esse caso, ela tá lá já cacete. Vai dar merda.
Pra minha surpresa, ao acelerar o carro, vi o reflexo da Brie em uma poça dágua. Ela estava no beco espreitando.
Encostei o carro, peguei minha .45, a 12 semi automática e uma faca. Saindo do carro, um homem me abordou dizendo:- Eu liguei para eles, liguei mas eles... Eles me disseram que não, não era eu... NÃO!
Enquanto ele gritava a última palavra, ouvi um barulho de tiro vindo em minha direção, puxei ele para o lado e vi Brie com a arma na cabeça, sendo feita de refém. O diálogo é tão vivo em minha mente...
O homem sorri de forma macabra e grita:- Você... Era você que tava fudendo com ela né?! Eu sabia que iam mandar você... Eu sabia, queria te olhar na cara pra ver teu desespero...
Largo a pistola no chão e levanto os braços:
- Ela não precisa passar por isso, fez tudo que você mandou, até porque, eu jamais mandaria nela como um porco sujo que só dá ordens e quer uma escrava. Sou eu que você quer, larga ela e a gente resolve isso.
O homem engatilha a 9mm e balança a cabeça negativamente, uma moto vem na direção das costas deles, acelerando o máximo, olho para Brie e ele se distrai. Ela o joga para o lado da rua, fazendo a moto colidir com o corpo e causando um acidente, a arma dele foi para longe e Brie estava com cortes e arranhões por todo corpo, roupa rasgada e a expressão de dor. Fui até o marido dela, engatilhei a 12 e disse:
- Homens como você não merecem salvação, não podem caminhar nesta terra e muito menos existir.
O estrondo da arma ecoou pelo quarteirão, ao me virar vejo medo nos olhos de Brie, ela recua se arrastando e dizendo:
- Você... Você não é isso. Realmente as coisas mudaram e muito, se afasta!
Atiro mais uma vez nele, outra, outra e mais outra e respondo:
- Você me trocou por essa merda?! Vai ser feliz com a porra da tua peneira então.
Voltando para o carro, o capitão estava encostado no capô e disse:
- Parabéns, acabou de ganhar sua terceira advertência, tá expulso da corporação, isso não é nossa conduta. Você se deixou levar pela caralha da emoção seu desgraçado, ele era chefe de tráfico e a Brie tava investigando ele, ela só se afastou de você pra pegar esse caso, se tivesse lido a merda da carta que te mandei saberia desde aquela época. Agora colocar vocês juntos vai ser impossível, vou lá fazer o que ela não quer que você faça. A propósito, tem um táxi te esperando do outro lado, boa sorte, foi um desprazer trabalhar com você.
Me lembro de ter voltado pra casa naquele táxi, havia uma malzbeer ainda na geladeira, a bebi, fui comprar mais e voltei com mais de trinta garrafas, aquela noite foi... Surreal e eu queria desistir de tudo.
"Agora que você sabe das coisas, não tem como voltar atrás, tudo que você foi e será é apenas um peão do próprio destino, jogado, girado, pego, usado; não mais do que uma consequência das suas ações."
#Lobo_Pala
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Wolfstran - Dias atuais
RandomAmbientado no subúrbio de uma época decadente entre cyberpunk e noire, um Agente expulso da polícia se torna detetive particular desvendando o sobrenatural enquanto faz o estudo dos casos mais variados, desde sequestradores até cultos de adorações d...