Capítulo 1

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Sempre me senti... Diferente. Desde nova. Desde sempre. Eu sentia que não amadurecia como as meninas da minha idade.
  Conforme o tempo passava, elas falavam mais e mais de garotos. Do quanto elas amavam alguns. Do quanto sonhavam namorar, perder o bv e ter muita maquiagem.
  Quando elas perguntavam para mim de quem eu gostava, eu nunca sabia o que responder. Na verdade, eu nem respondia. Afinal, eu não gostava de meninos. Eu só queria brincar, assistir desenhos e ter pijama de unicórnio.
  Foi daí que, comecei a levar o nome de estranha. Minhas então amigas, começaram a se afastar cada vez mais. Comecei a ficar sozinha. Quase ninguém falava comigo. Na época, eu já tinha 10 anos.

  Quando cheguei aos 14, meu pesadelo começou. Não foram só minhas amigas que notaram que eu era diferente. Meus pais também. Isso deixava eles irritados. Eu chegava em casa, fazia minha lição, almoçava e passava a tarde brincando de boneca e assistindo desenhos.

-O que quer ganhar de Aniversário, Melody? -Minha mãe perguntou.

-Humm... -Fiquei pensativa. A minha resposta nunca mudou conforme os anos. -Eu quero uma boneca da Barbie! Ou uma pelúcia da Hello Kitty! -Digo empolgada.

-Você já tem 14 anos, garota! Pare de pedir coisas de crianças! Você devia estar me pedindo maquiagens! Ou sei lá o quê! Um celular novo Talvez! Mas não! Você só me pede brinquedo brinquedo.. -Ela bufou. -O que há de errado com você, menina?

-Mas mamãe... -Eu a olhava fixamente enquanto ela gritava comigo.

-Me chame de mãe! Melody, mãe! SÓ MÃE! -Ela segurou no meu queixo. -M-Ã-E! Bota uma coisa na sua cabeça: VO-CÊ NÃO É MAIS UMA CRIANÇA. -Ela então me soltou. -Vai já para o seu quarto! -Não falei mais nada. Me levantei da cadeira e fui para onde ela mandou. Fechei a porta e me deitei na cama.

-Por que eu sou "axim"? -Perguntei baixinho.

  Eu me mantive no quarto todo o resto da tarde. Apenas me sentei no chão. Minha mãe entrou no quarto a noite para me trazer o jantar. "Se tiver com fome, coma", disse ela antes de sair.

-O que ela tem? -Ouvi meu pai perguntar.

-Nada. Vamos dormir. -Minha mãe respondeu.

  Me lembro de dormir no chão mesmo, mas acordei na cama. Quando abri os olhos, vi minha mãe sentada na cama ao meu lado, segurando minha mão e tocando na minha testa.

-Ela nem jantou, Otávio.. -Ela disse para meu pai que estava arrumando a roupa de trabalho, pronto para sair. -E está com febre..

-Okay, eu vou pedir para trabalhar em casa hoje. -Ele se virou para mim. -Espero que seja sério isso, mocinha. -Meu pai saiu.

  Minha mãe me ajudou a me vestir e meu pai nos levou ao hospital. Logo fui atendida, porque eu estava com 39°.

-Muito bem... -Uma mulher entrou no quarto. Nesse momento eu estava sozinha. -Eu sou a doutura Mônica. Aqui diz que se chama Melody.. Pois bem Melody, eu vou te examinar agora. -A médica se aproximou de mim e examinou tudo. -Você me parece bem.. Mas não sei de onde vem a febre.

-É "glave".. Digo grave, doutora? -Perguntei.

-Eu não sei. Acho que vou passar um exame de sangue para você. -Ela sorriu para me acalmar.

-Eu não "quelo".. Digo, quero. -Digo com medo só de imaginar sendo furada por uma agulha.

-Você tem problemas de fala, Melody? Vou te passar para uma fonoaudióloga.

-"Naum".. Não precisa. -Falei tocando na mão dela.

-Okay.. Agora eu vou conversar com seus pais sobre o seu.. Tratamento. -Ela disse levantando e saindo. Se passou um tempo até minha mãe entrar no quarto. Ela estava com os olhos vermelhos e marejados.

-Mamãe? -Chamei.

-Sua aberração! -Ela veio até mim e me deu um tapa.

-Mamãe.. -Eu a encarei, incrédula. "O que a Melody fez? Aberração? Melody é uma Aberração? Por que...? ". Ela me pegou pelo braço e me levou para fora do hospital. -Aquela médica só pode estar louca! -Ela falava. -Isso seu não pode ser infantilismo! É só drama! -Minha mãe abriu a porta do carro e me empurrou para dentro. Eu ainda estava em choque. Não conseguia dizer uma única palavra. Apenas ouvia e sentia ainda, a pele do meu rosto, onde havia recebido o tapa, arder.

Minha mãe dirigiu o carro velozmente, até um rua que eu não conhecia. Olhei pelo vidro e vi que, do outro lado da rua, havia um parquinho. Estava cheio de crianças brincando. Algumas até mais velhas, pelo o que aparentava.

-Você quer brincar? -Minha mãe perguntou, imóvel segurando o volante. -Quer? -Ela me olhou com um sorriso bizarro. Eu senti medo de responder. -Imagino que sim.. É dessas coisas que você gosta. Dessas coisas que pessoas como você gostam. -Ela saiu do carro e abriu a porta. "Pessoas como eu? ". Minha mãe me puxou para fora, e segurou no meu braço, me guiando até o parque. -Vai brincar.

-Mas..

-Vai brincar! -Ela disse, alterada. Eu me distanciei um pouco, mas mantive o olhar nela. Caminhei até a caixa de areia, que estava vázia. Olhei novamente para trás, ela ainda estava lá. " Ela naum pode me abandonar... ", pensei.

-Oii! -Vi pelo canto do olho alguém sentar do meu lado.

-Oi.. -Respondi. Havia outra garota sentada do meu lado. Uma garota que parecia ter a mesma idade que a minha.

-Sou a Sosoh. E você? Te vi sozinha aqui. Então, resolvi me juntar a você. Você é muito fofa, sabia? -Ela soltou um risinho, e seus olhos sorriram. Sosoh falava muito e rápido.

-Sou a Melody.. -Respondi. -O-Obligada.. Quero dizer, Obrigada.

-Que fofa! -Ela começou a brincar na areia. -Veio com "xua" mãe? -Ela perguntou.

-Xim.. Sim. -Respondi. Senti vontade de olhar para trás, apenas para garantir que ela ainda tava lá. Mas para meu desespero, o carro dela já estava virando a esquina. -Mamãe.. -Me pus de pé. -Mamãe!

-O que foi? Voxe se perdeu? -Sosoh ficou de pé também.

-A minha mãe..

-O que tem a sua mãe?? -Sosoh me olhava assustada. -Fala!

-Ela me abandonou!

ᰔᩚ My Little Girl ওOnde histórias criam vida. Descubra agora