Quando chegaram na casa pelo qual o irmão mora e onde seria seu novo lar, notou que tudo estava organizado, limpo; havia um quarto que seria seu, uma cama , um guarda roupa de duas portas e duas gavetas. Meses antes da chegada de Murilo, Maurício havia mudado de casa para uma maior, comprou cama e guarda roupa novos para chegada do estimável irmão. Murilo ficou satisfeito pelo quarto; deitou na cama, deixou as malas ao chão. Fazia frio, já era noite e a fome batia de forma apaziguadora, não se manifestou, aguardou o irmão oferecer algo para comer. Fazia 17 graus, para quem vive no nordeste era uma diferença enorme, ainda que já estivesse advertido sobre o frio, jamais imaginou que sério tão rigoroso. Todos saíram para uma pizzaria do bairro . Ainda que estivesse com roupa de frio, Murilo tremia , o que causou risos para o irmão e a namorada. Tudo era novo, o clima , as pessoas , as ruas, era um mundo que se abriria e tateava naquele momento algo que pudesse ser para sempre seu antes que o frio o corrompesse, Murilo seria sempre o que acabara de chegar. Maurício gesticulava e apresentava Murilo com orgulhoso, o que lhe causou certo desconforto. Tudo que queria era dormir, e logo constatou que odiara o frio, havia nele ainda que se passassem poucas horas , havia em si um arrependimento, mal chegara e já sentia saudades da mãe. Já em casa, o casal sentou no sofá, assistia tv, o recém morador ia direto para o novo quarto, sentiu o desejo de tomar banho, mas naquela frio seria a última coisa que faria, decidiu então que ficaria na cama, já estava de barriga cheia, agora ja eram mais de dez da noite e o cansaço e o sono vinham leves ; apagou as luzes e entrou em um estado de euforia e medo, essa simbiose irregular foi se otimizando e otimizando, de modo progressivo foi deslocando a mente para outros ares, se perdeu e parou diante do frio , e aquele fria trazia consigo as boas vindas , agora não tinha mais volta, enfim dormiu.
Aquele sonho, Murilo via o pai em seus braços banhado de sangue; gritava muito, Murilo consternado pedia socorro.
Acordou às três da manhã, trêmulo, gritava o nome do pai. Estranho o fato, nunca sonhou com o pai desde que foi assassinado, pelo amigo pelo qual discutiram e que matara com uma facada nas costas por conta de jogo do bicho. Não conseguiu dormir ;aquela nova casa, aquele novo quarto e tudo que se fazia novo pra ele, abria um leque de possibilidades e fracassos , temia encarar a namorada do irmão, temia o que brotava naquela noite , o amado pai que se foi a 3 anos atrás mas que mais parecia ter sido hoje... A saudade o espremia mesmo depois que se foi derramada as últimas gotas de lágrimas. O hoje era a única matéria do agora , e o agora era a única garantia do hoje; enquanto todos dormiam ele caminhou pela casa de dois quartos, uma sala e um banheiro. Era pequeno, entretanto limpo e aconchegante. O mais estranho, no íntimo, ele não estava feliz, não estava triste, não havia ainda no dicionário uma palavra exata que pudesse descrever o que sentia.
A única coisa que sentia era desamparado, aquilo fazia dele ainda mais menino que era, estava longe de casa, da mãe , dos poucos amigos, de tudo, quando em algum momento achou, uma palavra que talvez definisse o que sentia, mais não , não era uma palavra, era uma sensação, um estado de espírito. Que saudades sentia do pai . . .
A saudade então desde então um sentimento novo, como tal, chegou silencioso, fez morada no peito, envolveu toda sua alma e o jogou ao vazio da saudade: saudade pela qual carregaria , como Cristo que carregou a cruz; saudade, emergente, verossímil, arrebatador; saudade e morte são parentes, Murilo desde então se tornou taciturno, distante: o pai era o melhor amigo que tinha. Depois da morte, nunca mais teria a família reunida. Ainda que fosse apenas adolescente na época, Murilo havia matado Deus: decidiu que não teria mais fé, pois a fé é acreditar no impossível e o impossível se chama milagre e milagres não existem : sim, havia matado Deus, jogando um fardo enorme encima desse Poder Superior que nada tinha com a situação, mas Murilo queria culpar alguém, era então mais fácil culpar Deus, esse Deus que lhe deu um pai e depois o tirou, essa retórica da vida do que se vai, do que se fica . As quatro da manhã o sono começou a bater , junto com o cansaço, só assim por fim dormiu.
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Tripé
RomanceEm busca de um bom trabalho, o jovem de 18 anos Murilo viaja para rio grande do sul, começar uma nova vida com o irmão em Porto Alegre. Tudo muda quando Murilo se apaixona pela namorada do irmão Tereza e começar a achar que também é correspondido;...