02:00 Am

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Os passos curtos dos dois amigos eram os únicos ruídos que se ouvia na medida em que saíam caminhando pela rua sem rumo, Lissa vez ou outra olhava para os céus contemplando a beleza do luar enquanto passava pela frente das casas de seus vizinhos , quando os dois saíram dos domínios de sua vizinhança eles adentraram uma pequena praça com árvores volumosas e um campo aberto, naquele momento todas as coisas atrás de si pareceram ficar menores.

- Eu tô com medo.

Ela disse apertando a barra de seu short em um gesto de nervosismo, fazendo Dani a olhar de forma atenta.

- Medo...do quê?

- De tudo...

- Tudo é muita coisa, tipo: eu tenho medo de sapo, meu Deus se eu vejo uma porra dessa de madrugada no quintal eu infarto.

- Eu pensei muito ultimamente e acho que a maior desvantagem da falta de sono, além de toda a droga do cansaço é que sem dormir , você acaba tendo tempo demais para pensar...e pensar além do limite.

- Eu também morro de medo de largata, sabe aquelas bem peludas, tipo espinhentas?Ai CREDO!

- Pensando tanto ,eu cheguei a conclusão de que estive vivendo assim, com medo e receio, com covardia, presa num ciclo vicioso rendida a uma zona de conforto.

- Sabe de quem também eu tenho medo? Da Ana Maria Braga, uma vez eu sonhei que ela cortava a minha mão e colocava o louro José no lugar mas tipo assim, era um papagaio vivo! Sério era um bicho vivo de verdade, ai ela aparecia sorrindo dizendo "ACORDA MENINO", aí eu acordei com o cu coçando...

- Será que isso é tudo que se resume o ser humano? Um animal que vive com medo? Que tem todas as fragilidades incubadas em receios e em se esconder do que pode fazer mal.

-Depois disso nunca mais consegui ver televisão de manhã, vai que ela aparece do nada?!

- Você tá ouvindo o que eu tô dizendo ?

- Sim, eu tô ,e tô refutando tudo sem você perceber.

- Como assim?

- Lissa, eu acabei de dizer para você todos os meus medos mais fúteis e infantis, e o quero dizer é...que no fundo os medos mais profundos que sentimos não são tão diferentes deles ,entende?

- Acho que não , como ter medo da Ana Maria Braga pode se comparar com o medo de...sei lá! Do futuro, do fracasso, das incertezas, de se decepcionar...

- São iguais porque ambos são facilmente derrotados com lógica e com clareza, o esclarecimento de que eu sou muito maior e intimidador para o sapo do que ele para mim, ou que aquelas largatinhas na verdade não são peçonhentas mas sim essenciais pro funcionamento do ecossistema , ou que a Ana Maria Braga não vai invadir a minha casa de noite, (eu acho) saca? Tudo isso é derrubado em um instante, medos às vezes não passam de suposições ,e não se dá para ter certeza de uma coisa sem saber como elas realmente são.

- Acho que depende do sentindo do medo, né? A gente também usa como um modo de defesa e de sobrevivência.

- Você acha que está sobrevivendo melhor deixando todo esse medo te tomar?

- Com certeza não, mas já me acostumei a agir desse modo,
eu não quero viver presa, sejam pelas paredes de dependência da minha casa ou por limites que eu coloco em mim mesma, no fim as minhas inseguranças são as minhas piores inimigas e o medo é a gaiola que me prende.

- Você tem que parar de achar que tudo vai dar errado ou que qualquer coisa que você faça vai te prejudicar.

- Mas é isso o que sempre acontece, as coisas em casa andam tão...

- Os problemas da sua casa não são sua culpa, Lissa.

- Então por que me atingem tanto?

- E porque você deixa eles te atingirem?

- Não é algo que eu possa controlar! Eu devo me importar!

- E quem se importa com o que você sente? Quem pensa em você antes de despejar uma caralhada de angústias, preocupações, e regras que cê tem que cumprir por obrigação porque esse é o "mínimo" que você pode fazer? Não cara, você precisa enxergar além, você precisa crer no seu potencial, precisa entender que a sua vida não acaba quando a frustação dos outros começa...

Lissa cruzou os braços e baixou o olhar completamente perdida em suas palavras, sentia-se patética, pensava estar sendo dramática demais , sempre se achava pequena, suas dores sempre pareceriam invisíveis comparadas com as dos outros elevadas a tamanhos imensos que chegavam a cobrir toda a visão de sua própria percepção sobre as coisas e todas as suas significâncias.

- Desculpa Dani, eu queria poder enxergar de outro modo...

- Mas você não deve desculpas a mim! Deve cuidar de si mesma Lissa, você é minha melhor amiga nesse mundo e eu sempre vou achar injusto qualquer coisa que te faça ficar mal e...AAHH! MEUS DEUS?! VOCÊ TÁ CHORANDO?!

Lissa sequer percebeu seu choro até Dani exclamar de maneira surpresa, as lágrimas desciam de modo sutil enquanto a garota levava as duas mãos até as maçãs do rosto para se esconder sentindo-se constrangida.

- Meu Deus! Eu falei alguma coisa??! Foi mal! Aahh não chora cara!

- Não foi nada do que você disse, voce é um amigo maravilhoso...é que...às vezes eu me sinto a pessoa mais fraca do mundo , e você tem razão , eu tenho vivido de forma tão apática que agora não consigo parar de chorar igual uma maluca no meio da rua!!

- É...e ainda por cima você tá soltando catarro, credo.

- Eu não quero ser um fardo.

- Você nunca foi.

Dani a puxa para um abraço e ela se deixa afundar no meio do tecido macio do casaco amarelo dele, o molhando com suas lágrimas que agora caiam intensamente, como uma torneira entupida que finalmente pode liberar água.

Os dois ficam algum tempo ali como dois suportes inabaláveis, sendo iluminados pelas luzes ofuscantes dos postes que os destacavam do resto da escuridão noturna, como se o mundo por um momento deixasse que Lissa respirasse de modo decente, e que também a deixasse ser minimamente livre para se sentir viva outra vez.

- Sabe o que eu penso quando nada faz sentido?

- O quê?

- Que vou morrer um dia, e que eu tenho tempo suficiente para reinventar a minha vida de quantas maneiras eu quiser até esse dia chegar. Sabe, eu acho que é nesse ponto que tudo se acerta, essa coisa de que minha vida não precisa ser uma coisa só, ela pode ser infinitamente diferente e isso talvez seja o que dê beleza a todo esse caos de mundo.

- Isso é muito bonito ,Dani.

- É uma viagem da porra, mas você entendeu.

- Como faço para reinventar tudo o que eu sei? Como vou saber tirar essas merdas de mim?

- A gente tem mais três horas para conversar sobre isso então... - Dani sorriu mostrando suas amáveis covinhas - Acho que dá tempo de descobrir!

MadrugadaOnde histórias criam vida. Descubra agora