Engoli em seco com sua afirmação.
Nada no jovem Benício remetia aquilo, fosse o modo de agir, falar ou se vestir: nada! Se havia "trejeitos" para a coisa, ele não era muito deles. E não digo essas coisas por maldade, mas na condição de um pai que por vezes consegue reconhecer alguns deles em seu próprio filho...
O silêncio se estabeleceu enquanto o chão ao qual eu sempre pisei parecia ter sido tirado de mim repentinamente. Agora, a única certeza que tinha era de que jamais soube quem ele era de verdade.
Todo esse tempo...
- Tudo bem rapaz. Sou contra esse tipo de coisa, mas tú não precisa fugir de casa... – comentei. – Eles são teus pais, não se foge disso.
- Tudo bem então. Já que não posso contar contigo, eu dou meu jeito. - Ele bufou, fazendo menção a deixar o carro.
Sem alternativa, agi por impulso, não podia deixa-lo ir e pôr em prática aquela ideia maluca:
- Tú fica aí! – Exclamei, dando partida imediatamente. - E trate de pôr o cinto...
Não conseguia vê-lo sequer pelo retrovisor. Quando acontecia de nossos olhares se encontrarem, rapidamente ele mirava um ponto cego. Olhei o relógio em meu pulso, iríamos levar aproximadamente quarentena minutos até Caxias, quarenta minutos para eu fazê-lo perceber o quanto a ideia era incabível e desfazer seu plano de fuga...
...
Paramos num sinal da rua Imperatriz, foi quando eu fiz minha primeira tentativa:
- Tú tens certeza... - tentei.
- Nunca agi tão deliberadamente. - Ele rebateu. - Não há mais volta meu velho. Foram eles quem quiseram assim.
- Pense em seus pais, rapaz...- persisti.
- Você fala dos dois preconceituosos que ameaçaram me mandar para um internato se voltassem a ver mensagens gays em meu WhatsApp? "Internato São Vicente" disseram, eles não estão blefando, eu vi tudo!
- Mas eles são seus...
- Não, não mais. São dois ignorantes que não me deram o benefício do diálogo. Eles quem causaram tudo isso! Se não querem um "filho gay", então não terão filho algum.
Ele estava decididamente firme.
O semáforo abriu e eu dei partida novamente, o trânsito fluía, a conversa, não...
Entendê-lo estava sendo difícil para mim, mas, devo admitir que tirar o diálogo dos jovens talvez não seja a melhor das alternativas, isso causa revolta e, no caso do Benício, fuga.
O melhor a fazer é sempre deixa-los dizer o que eles têm a dizer.
Seguíamos pelo retorno principal, e por mais que eu tentasse focar minha atenção em dirigir, tudo aquilo continuava martelando minha mente. Então resolvi arriscar mais uma:
- E desde quando tú... Digo... Descobriu que também gostava de... Rapazes? - Indaguei.
- Quando você descobriu que preferia mulheres? - Ele retrucou, me devolvendo a pergunta.
- Eu sempre soube, Ora! nasci assim! - Respondi de imediato, sem saber ao certo o rumo que estávamos tomando.
- Bom, isso responde sua pergunta. – Disse por fim.
E pela primeira vez todo aquele papo de ser bissexual fazia um pouco de sentido...
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(Degustação) Estrada Para Lugar Nenhum - Séries Nuances II.
RomanceQuando Benício, o sempre fiel passageiro do taxista Chris, entra em seu veículo disposto a pôr em prática um engenhoso plano de fuga envolvendo o namorado Eduardo, é o início de um percurso que modificará seu modo de ver o mundo e subverterá certeza...