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Uma questão de indiferença

Um ano depois, Anthony e Gloria eram como atores que tivessem perdido o figurino e a quem faltava o orgulho para manter a nota de tragédia – por isso, quando a Sra. e a Srta. Hulme, de Kansas City, passaram por eles fingindo não ver no Plaza, foi apenas porque a Sra. e a Srta. Hulme, como a maioria das pessoas, abominavam a visão de seus eus atávicos.

O novo apartamento, pelo qual pagavam 85 dólares por mês, ficava na avenida Claremont, a duas quadras do rio Hudson. Moravam ali havia um mês quando Muriel Kane foi visitá-los num fim de tarde.

Era um entardecer impecável, a primavera se aproximando do verão. Anthony estava deitado na sala, que dava para a rua 127, na direção do rio, perto do qual era possível ver apenas as manchas verde-claro das árvores na Riverside Drive. Na margem oposta ficava Palisades, coroado pela feia carcaça de um parque de diversões – mas dentro em pouco seria noite, e aqueles mesmos monstrengos de ferro se projetariam gloriosos contra os céus, um palácio encantado às margens de um radiante canal tropical.

Anthony descobrira que nas ruas próximas ao apartamento brincavam crianças – ruas apenas um pouco melhores do que as que atravessava a caminho de Marietta, mas com o mesmo aspecto geral, com um realejo ocasional e ao frescor das noites muitos pares de meninas que iam tomar sorvete na confeitaria da esquina, sonhando sonhos ilimitados sob os céus baixos.

As ruas já estavam escuras, e as crianças brincavam, os gritos incoerentes morrendo junto da janela aberta. Muriel, que fora ver Gloria, conversava com ele, a voz atravessando a penumbra, do outro lado da sala.

– Vamos acender a luz? Está ficando fantasmagórico, aqui.

Com um movimento cansado, Anthony levantou-se e obedeceu; as janelas cinzentas desapareceram. Endireitou-se. Estava agora mais gordo, a barriga forçava o cinto, a carne se tornara fofa e aumentara. Estava com 32 anos, e seu cérebro era uma ruína desolada e desordenada.

– Quer tomar alguma coisa, Muriel?

– Não. Parei de beber. O que tem feito, Anthony? – indagou, curiosa.

– Tenho andado ocupado com o processo – respondeu, com indiferença. – Está no Supremo Tribunal, deve sair alguma decisão no outono. Tem havido objeções quanto à competência do Tribunal na questão.

Muriel deu um estalo com a língua e tombou a cabeça para o lado.

– Ora essa! Nunca soube de processo mais demorado.

– Ah, são sempre demorados os processos relacionados com testamentos – respondeu desatento. – Dizem que é raro se resolverem em menos de quatro ou cinco anos.

– Oh... – Muriel mudou ousadamente de tática. – Por que não vai trabalhar, preguiçoso?

– No quê? – perguntou ele ríspido.

– Ora, em qualquer coisa. Você ainda é jovem.

– Se isso é estímulo, agradeço – respondeu secamente. E com um certo desalento: – Fica incomodada com o fato de eu não querer trabalhar?

– Não me incomoda, mas incomoda muita gente que se diz...

– Deus do Céu! – interrompeu Anthony –, parece que há três anos não ouço senão histórias estranhas a meu próprio respeito e sermões virtuosos. Estou farto disso. Se você não quer nos ver, deixe-nos em paz. Não me importo com os meus antigos "amigos". Não preciso de visitas de caridade nem de críticas disfarçadas de bons conselhos. – E acrescentou, desculpando-se: – Sinto muito, mas, se quer saber, Muriel, você não deve falar como uma assistente social, mesmo que esteja visitando a classe média inferior.

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⏰ Última atualização: Jun 27, 2023 ⏰

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