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Simpósio

Gloria embalara a mente de Anthony, fazendo-a dormir. Ela, que parecia a mais sábia e a mais bela das mulheres, estendeu-se como uma magnífica cortina a sua porta, barrando a luz do sol. Naqueles primeiros anos, tudo o que Anthony pensava tinha, invariavelmente, a marca de Gloria; via o sol sempre através dos desenhos da cortina.

Foi uma espécie de lassidão que os levou de volta a Marietta para outro verão. Durante uma primavera dourada e enervante, haviam vagado, inquietos e extravagantes, pela costa da Califórnia, juntando-se por vezes a outros grupos, de Pasadena a Coronado, de Coronado a Santa Barbara, sem outro objetivo mais evidente que o desejo de Gloria de dançar novas músicas ou observar uma variação infinitesimal de cor do mar. Do Pacífico surgiram penedos selvagens para saudá-los, e hotéis igualmente bárbaros, construídos de forma que, na hora do chá, era possível passar o tempo entre uma confusão de gente, abrilhantada pelos costumes de polo de Southampton, Lake Forest, Newport e Palm Beach. E, como as ondas que se chocavam, salpicavam e brilhavam nas baías mais plácidas, eles se uniam a esse ou aquele grupo, e com ele mudavam de lugar, falando sempre das alegrias estranhas e imateriais que os esperavam no próximo vale, verde e frutífero.

Apenas uma rica classe ociosa – os homens mais simpáticos eram ainda estudantes –, pareciam eternos candidatos a clubes universitários fechados, que se tivessem eterizado e ampliado infinitamente no mundo; as mulheres, de beleza superior à média, levemente atléticas, um tanto desinteressantes como anfitriãs, mas encantadoras e muito decorativas como convidadas. Tranquila e graciosamente realizavam a dança do requinte na repousante hora do chá, fazendo com uma certa dignidade os movimentos tão horrivelmente caricaturados pelas coristas em todo o país. Parecia irônico que os americanos se saíssem tão bem nesse solitário e desacreditado ramo das artes.

Tendo dançado e aproveitado uma magnífica primavera, Anthony e Gloria verificaram que haviam gastado dinheiro demais e por essa razão deviam retirar-se durante algum tempo. Havia o "trabalho" de Anthony, diziam. Quase que sem saber, estavam de volta à casa cinzenta, mais cônscios agora de que outros amantes haviam dormido ali, outros nomes haviam sido chamados por sobre os balcões, outros casais se haviam sentado na varanda para ver os campos cinzento-azulados e os bosques mais além.

Era o mesmo Anthony, mais inquieto, animando-se apenas depois de vários copos, um pouco, quase imperceptivelmente, apático em relação a Gloria. Mas Gloria completaria 24 anos em agosto e estava tomada de um pânico sincero. Seis anos para os 30! Se estivesse menos apaixonada por Anthony, o sentimento da fuga do tempo se teria expressado num novo interesse por outros homens, na intenção deliberada de extrair um brilho transitório de romance de todo amante potencial que a olhasse enternecido por sobre uma mesa de jantar. Disse a Anthony uma vez:

– Sinto que, se desejasse alguma coisa, eu a conseguiria. Sempre me senti assim, em toda a minha vida. Mas acontece que quero você, e por isso não sobra lugar para outros desejos.

Iam para o Leste, atravessando uma região sem vida de Indiana, quando ela levantou os olhos da revista de cinema para uma conversa casual que, subitamente, se tornou séria.

Anthony olhou, preocupado, pela janela do carro. Os trilhos cortavam uma estrada da roça, e um homem do campo surgiu momentaneamente com uma carroça. Mastigava uma palha e parecia-se com o camponês que já haviam visto dezenas de vezes antes, sentado em sua carroça como um símbolo silencioso e maligno. Ao voltar-se para Gloria, a ruga na testa de Anthony se intensificara.

– Você me preocupa. Posso me imaginar desejando outra mulher, em determinadas circunstâncias transitórias, mas não consigo me imaginar possuindo-a.

– Mas eu não sinto assim, Anthony. Não posso me aborrecer tentando resistir às coisas que desejo. Meu processo é não as desejar, não desejar ninguém a não ser você.

Os Belos e Malditos (1922)Onde histórias criam vida. Descubra agora