Capítulo 14 - Benício

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Algo frio toca minha pele e levanto-me assustado para ver o que pode ser. Olho em volta e não vejo nada. Tinha implorado internamente para que tudo isso que estou vivendo fosse apenas um pesadelo, mas ao acordar nesta cela gelada e desconfortável, percebi que a realidade está mais evidente do que tudo.

Observo a pequena janela que há ali, e noto que o sol já está nascendo. Ouço barulho de porta sendo aberta e meu coração enche de alegria ao ver meu pai. Um policial empurra sua cadeira e o carcereiro abre a cela para que eu possa sair.

- Tem visita! - o carcereiro diz apenas e me encaminha até uma sala onde há uma mesa e duas cadeiras, uma de frente para a outra.

Em todo momento meu pai não diz nada, apenas mantém a cabeça baixa. Sento-me na cadeira. O carcereiro diz que teremos apenas 15 minutos, e ele e o policial saem dali.

- Qualquer que tenha sido as especulações sobre o que fiz nada é verdade. - digo aflito olhando para o meu pai.

- Eu acredito em você meu filho. Mas a notícia que eu trago não é boa. - ele diz com um sorriso tentando me tranquilizar. - Eles não só acreditam que você é o chefe, como tem uma testemunha que confirma isso.

- Como assim uma testemunha? Quem inventaria uma coisa dessas?

- Uma amiga sua, da escola. Ela disse que você a pediu para entregar o tal envelope para Manu, e esta caiu na sua armadilha.

Não consigo acreditar. Como não liguei os fatos antes? O mesmo envelope que Marcy entregou para Manu é o que está assinado com meu nome, e é o mesmo que eu vi aquele homem a entregando e mandando dar a alguém. Agora tudo faz sentido. O verdadeiro chefe mandou uma carta para Manu em meu nome, para poder atraí-la e sequestra-la, e fazer com que a culpa caia em mim.

- Eu sei quem é essa "amiga". E sei tudo que está por trás disso. Vou lhe contar, mas tem que prometer que vai acreditar em mim e me ajudar. - falo e meu pai assente. Então começo contar a ele a história desde o dia em que vi Marcy e o Homem Estranho conversando, até a hora em que consegui salvar Manu.

Depois de tudo esclarecido, noto que meu pai está boquiaberto com o que fui capaz de fazer.

- O que você fez exigiu uma coragem e tanto, mas nós dois sabemos que foi arriscado, e que vai ser muito difícil provar sua inocência. - ele diz e eu concordo com a cabeça. - Só que não é impossível.

- Eu sei.

- Primeiramente vou conseguir um advogado bom. Vou trazê-lo aqui e você vai contar tudo que contou para mim, sem esconder os fatos. Depois deixaremos tudo nas mãos dele.

- Tudo bem. - digo apenas.

- Nosso tempo acabou, e pelo que eu sei você vai ter que permanecer aqui. - ele diz desanimado - Mas já providenciei uma cela melhor para você.

Levanto-me da cadeira e dou um abraço demorado no meu pai.

- Obrigado pai. Não sei o que faria sem você. - digo com os olhos marejados.

- Eu te amo meu filho, fique bem. - ele diz e no mesmo instante o policial entra pela porta e o leva dali.

Sou arrastado para outra cela pelo mesmo carcereiro. Não é um lugar recomendável, mas parece ser a melhor cela dali. Tem uma cama, uma mesinha com comida e um banheiro com chuveiro e tudo. Estranho, pois geralmente o vaso sanitário fica visível para todo mundo, mas este não. Suponho que meu pai deve ter pagado para que eu tenha um bom tratamento, e o agradeço mentalmente por isso. Noto que tem uma pequena mala ali, com roupas e algumas frutas. Meu pai pensou em tudo.

Resolvo tomar um banho e depois comer um pouco. Ao tirar minha calça, alguma coisa cai no chão. É o pen-drive. Na hora não pensei em nada. Mas ali havia uma pequena prova da minha inocência, no entanto corri e o guardei na mala.

Depois de almoçar, um homem aparece na grade e diz que tenho mais visitas. Sou levado à mesma sala e encontro uma mulher. Toda sofisticada com uma maleta, ela sorri para mim e pede para eu me sentar.

- Prazer, sou Anita Gouveia, sua advogada.

- Prazer, Benício. - sorrio em resposta. Meu pai foi bem ágil.

- Bom. Suponho que saiba que foi seu pai que me escolheu e providenciou tudo. Já conversei com ele, e ele me explicou todos os fatos. Mas, como todo advogado, preciso ouvir de você, tudo que sabe e sem esconder nada. Só assim para ajuda-lo de uma maneira simples e eficaz.

- Tudo bem. - respondo e ela tira um gravador da maleta, pega uns papeis e uma caneta.

- Confirma seu nome para mim.

- Benício Campos.

- Sua idade.

- 16. - ela me encara assustada.

- Estranho. Pela lei deste país você não poderia estar aqui. - ela pega seu celular - Me dê licença um minuto. - diz e sai da sala.

Fico ali pensando no que ela disse. Realmente é verdade, eu deveria responder em liberdade, ou iria para COINRE, como o delegado disse para mim. Passam-se dois minutos e Anita retorna. Sua cara não é das melhores.

- O que descobriu? - pergunto aflito.

- Realmente você não poderia estar aqui. Fui conversar com Pontes e ele disse que encontraram provas suficientes para te manterem aqui, mas que amanhã mesmo, será transferido para COINRE. Só não fizeram isto antes, porque ainda estão organizando os arquivos e as papeladas.

- Mas isso é injustiça. Não posso pagar pelo um crime que não cometi.

- Eu sei! Lido com isso todos os dias, e pode ter certeza - ela diz pausadamente me encarando - eu vou tirá-lo de onde quer que esteja. Mas para isso preciso continuar com o relatório. - Anita retorna a pegar os papéis e me faz várias perguntas pessoais.

- Enfim, esta foi a última. Agora vamos ao que interessa. Benício, você sequestrou mesmo Emanuelly Bonfim?

- Não! - exclamo com firmeza. Ela me olha analisando minha expressão e fica um bom tempo assim, até que finalmente sorri.

- Explique-me o que realmente aconteceu.

Eu conto tudo a ela, sem deixar nada de fora. Ela ouve tudo com atenção, anota algumas coisas no papel e assim que termino ela parece estar mais aliviada.

- Você teve uma coragem e tanto.

- Eu diria desespero. - digo sorrindo. Sinto-me mais aliviado por saber que ela acredita em mim.

- Vou providenciar os papéis necessários e acho que hoje mesmo você já sai daqui. - ela diz arrumando suas coisas. Antes de sair ela para na porta. - Ah, quase esqueci. Preciso do pen-drive que você encontrou no banheiro.

- Mas como vou pegá-lo agora?

- Diga ao carcereiro que precisa ir ao banheiro. Vou espera-lo aqui.

- Ok.

Saio da sala e dois carcereiros vêm até mim, digo que preciso ir ao banheiro e um deles me acompanha. Pego o pen-drive disfarçadamente e retorno a sala. O entrego a Anita e ela se despede dizendo voltar mais tarde.

Passo o resto da tarde na cela deitado, lendo alguns jornais. Uma notícia no canto me chama atenção.

"Garota desaparecida é encontrada em uma residência na rua [...], e seus sequestradores já foram detidos. Abaixo está a foto de dois deles. Edson e Eduardo Bachega são irmãos e se aliaram a um suposto chefe para realizar o sequestro da vítima, eles já foram apreendidos, mas o chefe não. Emanuelly Bonfim, a vítima, já foi encontrada e passa bem."

Fico boquiaberto ao ver a foto dos homens. Nenhum deles é Mauro, o homem que estava com Marcy. Então ele deve ter fugido. Quando o delegado me disse que pegaram dois homens, pensei que ele estava incluído. Mas agora sei que não. Esse homem armou tudo para mim. Desde o início.

Um barulho chama minha atenção e quando olho para a grade, Anita está sorrindo alegremente do outro lado.

- Venha! Vamos sair deste lugar horrível.

Do Inferno ao ParaísoOnde histórias criam vida. Descubra agora