O pântano da Hidra

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Observei atentamente a todo aquele ambiente mórbido, isento das melodias da natureza e com uma fraca luminosidade. Os ventos pareciam evitar entrar neste refúgio de árvores extremamente altas. Respirei fundo, sentindo um cheiro pútrido vindo do chão lamacento, aquilo mais parecia uma perfeita vala. Fechei os meus olhos e comecei a revisar aquele montante de visões que a gigante mulher havia me transmitido com aquele toque; era uma quantia absurda de conhecimento sobre o que eu poderia fazer, como fazer e o que deveria ser feito. Devo ser tão precioso assim para ter sido presenteado com tudo isso? Eu definitivamente não sei!

Sem muita opção do que fazer naquele momento, comecei a caminhar naquela terra negra, úmida, fétida e pegajosa que se prendia em meus pés e calcanhares. Contemplei todo aquele silêncio, sendo quebrado apenas por minhas pisadas que ecoavam  em todas as direções. Quanto mais eu andava sem rumo, mais uma sensação esmagadora caía sobre os meus ombros, como se algo estivesse me vigiando de longe ou de perto, não sabia como explicar esse sentimento incômodo.

O tempo parecia passar diferente do restante do mundo exterior, como se as horas passassem mais vagarosamente, fazendo com que meros minutos se tornassem horas. Mesmo o tempo passando tão vagarosamente, as grandes vegetações impediam a luminosidade de tocar no solo imundo, deixando grande parte do lugar numa penumbra superficial.

Tudo ali embaixo parecia ser exatamente igual, como se eu estivesse andando em círculos. Sentei-me aos pés de uma árvore morta, onde o chão parecia mais seco e firme, fechando os meus olhos e meditando sobre os poderes que acabara de ganhar da Mãe-Terra. Descubro ser capaz de me transformar em qualquer animal que eu desejasse, então, rapidamente eu fechei os meus olhos com força e me concentrei, logo o meu corpo diminuía de tamanho e ganhava penas de tons amarronzados, ganhava bico e garras nos pés, perdendo todas as características que possuía antes, por fim, havia me transformado em uma coruja de chifres.

Ao me transformar em uma simples coruja de chifres, a minha visão se tornou tão aguçada que poderia ver grandiosas distâncias de onde eu estava, sem deixar o mínimo detalhe passar despercebido. Abri as asas e voei em alta velocidade sem medo algum, por muito tempo eu voei na procura de alguma forma de vida, por mais simples que ela fosse, mas sem sucesso algum. Pousei na mais alta copa daquele mar esverdeado, contemplando o céu azul livre de nuvens.

Enquanto eu perdia em pensamentos sobre o que a mulher gigante havia me dito, acompanhado por este mar esverdeado que condenava o solo a eternamente viver em sombras. Distante de onde eu estava, sons de choro trazidos pelo vento pareciam atiçar a minha curiosidade, então, rapidamente abri as minhas longas asas e alcei vôo em sua direção, estava curioso em saber o que era aquele barulho estranho.

Chegando lá, me deparei com uma bela jovem que não parecia ter mais que vinte e cinco anos de idade. A sua pele era clara como a neve, mas cheia de vida como se acabara de nascer, com as bochechas coradas feito uma maçã. Os seus cabelos eram longos e lisos, tingidos por um castanho bem claro, quase chegando ao tom de mel, estes chegavam até o seu quadril. Ela usava um chiton esverdeado, esfarrapado nas bordas e sujo de lama

Ela se encontrava em um lugar específico daquele pântano, era como se ali fosse o coração do lugar. Era uma bela lagoa de águas barrentas, com uma pequena ilhota no centro dela. As árvores que mencionei outrora pareciam evitar aquele corpo de água, visto que elas terminavam muitos metros antes das suas margens.

A donzela estava presa nos pés por uma corrente grossa, feita do mais puro ouro que ia até o fundo daquele lago. Pousei num dos galhos, observando todo o seu sofrimento de perto, sem perder o mínimo momento. Uma parte de mim gozava de alegria com o martírio daquela mortal insignificante, mas o outro sentia-se culpado por não poder ajudá-la de alguma forma, criando um conflito interno.

Respirei fundo, ficando um pouco estressado com essa confusão mental causada por esse pequeno senso humano que vez ou outra me atormenta. Desci da árvore de forma graciosa, indo ao encontro com a moça. Pousei ao lado dela, que não entendeu bem aquela situação.

Lentamente vou me transformando diante dos olhos da consulente. Comecei a me tornar uma criança de não mais que sete anos de idade. Pele branca como uma lebre, tão macia e viçosa; rosto com leves sardas. Cabelos curtos e cacheados, parecendo fios de ouro. Olhos penetrantes de um azul piscina incrível. Ela ficou assustada e confusa com toda essa transformação.

— Você deseja ser livre outra vez, pobre mulher? — Questionei-a já sabendo, mas queria ouvir dela a resposta. Sentia um misto de pena e desprezo por ele, algo muito confuso de se entender e descrever com palavras.

— Q-quero sim… mas como poderei me libertar dessas correntes pesadas que me mantém incapaz de sair dessa ilhota? Sinto fome e sede, o sol machuca a minha pele. Estou fraca para tentar escapar. — Peguei aquela corrente dourada e bastante pesada, então fui reunindo as minhas forças e comecei uma série de puxões intensos, mas sem sucesso algum. Continuei nesse ritmo por um certo tempo, já estava ficando cansado dos esforços em vão. Quando estava prestes a desistir de tentar salvar a moça de seu tormento, em um último puxão as argolas metálicas finalmente se partiram.

Ela me abraçou com vontade, dava para sentir o alívio de estar livre mais uma vez. Aquele ato começou a ficar estranho quando comecei a sentir a força crescer rapidamente até o ponto de começar a me machucar. Quando me dei conta, estava agarrado a uma criatura assustadora. Era um ser parecido com uma serpente, mas tinha sete cabeças.

Com dificuldade eu me desvenciliei daquele abraço mortal, me afastando com um pulo, mas fui atingido por sua cauda tão ágil como um chicote, me lançando contra uma das árvores. Senti o sabor metálico inundar a minha boca, talvez eu tenha me machucado feio dessa vez. Cuspi um pouco de sangue no chão e encarei a criatura. Me sentia bastante idiota por cair numa armadilha tão óbvia.

— Parece que eu fui tolo em te liberar, não é mesmo? — A criatura parecia ganhar volume rapidamente, chegando a passar dos vinte metros em segundos. Rapidamente comecei a correr para dentro do pântano, sendo seguido pela besta serpentina.

A perseguição progrediu por certo tempo sem que nenhum dos lados ganhasse. Atentamente observei as copas das árvores com os cantos dos olhos, tendo uma idéia de como despistar a besta. Concentrei todas as minhas forças nas pernas e saltei cerca de quinze metros de altura, me agarrando no tronco da árvore e subindo até a copa, onde continuaria o trajeto por cima.

— Por que foge de mim, pequeno cordeiro? — A serpente continuava a me perseguir na lama, mesmo sendo um animal de porte enorme, ela era bastante veloz, conseguindo me ultrapassar sem dificuldade alguma.

— A resposta é simples, eu não quero ser devorado por você, criatura assombrosa. — Me pendurei em um dos galhos, parecendo um macaco. Não ousava tirar os olhos da besta, já que serpentes podem pular e se levantar. — Como eu te salvei da sua prisão, responda-me uma pergunta. Você conhece Tifão? — Questionei ela sobre a besta mais nefasta da Grécia. A Mãe Terra havia me falado que eu deveria libertar os meus irmãos de suas prisões, mas não disse onde eles estavam.

— Sou filha de Tifão e Equidna, a primogênita do mal encarnado na terra. Trancafiada nesse lugar em tempos remotos. — Dava para sentir muito ódio em suas palavras. Parecia que a gigante dama de pedra me colocou no caminho certo.

— Você deseja se vingar dos Deuses que te prenderam neste lugar? — Fui direto ao ponto, os rodeios não me agradavam. Lentamente fui regredindo a minha forma verdadeira, aparentemente os poderes tinham um tempo de duração.

— Mais do que tudo neste mundo! — A serpente começou a regredir a sua forma humana, como se tivesse perdido o interesse em me devorar. Soltei o galho, caindo dentro da lama fétida.

— Eu também sou filho de Tifão. Venha comigo em uma jornada, me ajude a libertar os nossos irmãos e mais uma vez nos opormos contra aqueles que nos trancafiaram por tanto tempo! — Estendi a minha mão para ela, a mesma relutou um pouco em aceitar o meu pedido, mas no fim aceitou, apertando a minha mão.  Com esse trato, eu concluo o primeiro degrau na trama do destino que Gaia havia me mostrado.

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⏰ Última atualização: Jan 27, 2023 ⏰

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