"Urge, ó Garladonia, que aos pequenos há de tornar;
A semente dos heróis, longevo caminho há de adentrar"Seu pai tinha derrotado uma grande besta marítima. Sua mãe havia salvado os moradores do seu vilarejo de um massacre. E por isso é que sua alcunha era de "filho dos heróis". Naquele dia, porém, quando voltou da venda, não os achou em casa. Só o que havia, no centro do cômodo principal, era um casal de ratinhos.
O jovem de pele parda e cabelos cacheados largou todos os seus cestos na soleira da porta e se apressou até os roedores, segurando-os, conferindo suas barriguinhas claras, se perguntando de onde teriam eles saído. E de repente, um grande facho de luz atravessou uma fresta no teto, e caiu logo acima do rapaz, iluminando sua cabeça. Ele, como que pressupondo uma aspiração divina, inclinou o rosto para cima. Foi quando desceu dos céus uma dama formosa de cabelos ondulados e palmas abertas, nobremente trajada.
— Quem é você?
— Eu sou Silma, filha da padroeira Glokylia, da parte de Senver. Estou aqui para convocá-lo, Moa.
— Como sabe o meu nome, mulher? Seria você uma deusa?
— Meu caro, não aprendeu com seus pais como é, de fato, a hierarquia de Tybgretor? Não posso ser uma deusa se nasci de uma bendita. Sou uma portadora das mensagens sagradas. Uma guia para os perdidos e fracos, mas também para os aventureiros e obstinados. E você, Moa Qinric, é um Ungido.
Moa recuou, confuso. Do que ela está falando?
— Desde que nasci, minha cabeça jamais conheceu óleo, senão do sacerdote de início. Mas não é disso que você está falando, eu imagino.
— Você é esperto, filho de Helmalis. Pois aqui está a verdade: seus pais são, de fato, esses ratos.
— Como?
— Um enviado dos Enegrecidos, um aprendiz dos feiticeiros, foi mandado até aqui para isso. Frilsan conhece a ira de seus irmãos lá em cima, e não quis matá-los, ou todo o céu se vingaria. Então ele os rebaixou à meras criaturas indesejadas. Mas não há tempo para explicações. Precisa ir agora.
— Ir para onde? O que quer de mim, mulher?
— Eu já disse. Você é um Ungido.
A luz da frente se foi no mesmo instante, porém Silma continuava ali. Moa estava retornando à infância, às noites aquecidas próximo às labaredas da fogueira no centro do vilarejo, uma festa de júbilo à mais uma vitória do casal Qinric. Ivenoa, a salvadora de Nowe, lhe contava crônicas dos deuses:
— Fazemos parte de algo maior e nem nos damos conta, meu filho. A vida é uma dádiva que deve ser conduzida à plenitude; a sua mesma é uma, veja só! Eu e seu pai éramos estéreis, até que a graça de Ilegwynn nos abateu, e nos foi dado você: Moa, o Milagroso.
E quando eu citou a profecia, ele pediu mais detalhes sobre os Ungidos.
— Já diz a profecia da mística Momota, muitos séculos atrás: "Urge, ó Garladonia, que aos pequenos há de tornar; A semente dos heróis, longevo caminho há de adentrar". É um trecho de seu poema. Quando tudo parecer perdido, e os homens perderem a fé; e a vida se tornar mórbida e extenuante, um grande ocorrido será feito a partir das Trevas, e obrigará os Tybbak a elegerem os Sete Ungidos, que salvarão a honra de Qomara, e queiram eles, de todo os cantos de Aaltharal. Dessa forma, a Grande Era se iniciará, e os Sete reinarão em sintonia sobre todos os povos. Acredito que estão próximos esses acontecimentos.
Ele voltou ao dia presente, onde Silma ainda o contemplava à frente. Os ratos estavam no chão, ainda aos seus pés. Pobres pais! Agora haveriam de ter confiança no filho, por sua empreitada.
— Eu sou um...
— Exato. Os Tybbak consentiram em sua escolha. Você é o Primeiro Ungido, e deve partir em busca dos outros. Saia do vilarejo e vá até Linniue, o reino espremido, onde se assenta Rolroth da linhagem Pokrana. Estarei olhando por você. Agora vá!
E Silma sumiu antes que qualquer outra dúvida surgisse. Moa sabia que não havia outro jeito, ele teria que se enfiar na jornada a si dada; ainda assim sentiu medo. Como ele saberia a identidade dos demais? Não, isso certamente seria apontado pela guia. Ele se preocupou então com o estado calamitoso de seus pais; e recolhendo-os, correu de volta à venda, deixando aberta a porta de casa.
***
Moa chegou à barraca da senhora Esanashta, e procurou o neto dela, quatro anos mais velho que ele. A idosa assobiou, e ele prontamente veio:
— Marthor, preciso que proteja esses ratinhos; eu fui convocado para uma missão.
— De repente, uma missão? Certo, eu irei protejê-los, só torça para que vovó não fique sabendo! Só de ter visto eles, ela já deve ter feito uma cara feia. E que os deuses te acompanhem, meu amigo!
— Eles irão. - ele disse, sorridente.
E o filho dos heróis, o Milagroso de Ilegwynn, partiu, deixando seus pais nas mãos de Marthor, um rapaz de sua confiança, quase um irmão.
E Silma, do alto da singela torre de vigia, observava essas coisas, e observou também quando Moa deixou Nowe para trás. Tinha início a última era: a Era dos Sete Ungidos.
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Os padroeiros de Aaltharal
Fantasy"Urge, ó Garladonia, que aos pequenos há de tornar; a semente dos heróis, longevo caminho há de adentrar;" Na longínqua e esquecida terra de Qomara, onde o mundo se iniciou, uma antiga profecia guardada pelos sacerdotes dos deuses de Tybgretor co...