Ele é mais velho por apenas dois minutos de diferença, mas você jamais adivinharia que somos gêmeos julgando apenas nossa aparência física.
Sempre duvidei que Anatoly me empurrou para sair primeiro, ansioso para sair daquela prisão escura e abafada. Ele era um recém-nascido enorme e gordo, com um tufo macio de cabelo dourado como fios de ouro, e as enfermeiras o adoraram de imediato. Em uma das fotografias que mamãe mantinha em cima da lareira, emoldurada em um porta-retrato azul, as enfermeiras de roupa branca sorriem para o bebê rechonchudo e feliz com a atenção. No fundo da imagem, pouco mais que um borrão escuro, é possível ver o médico segurando uma coisinha miúda e suja que balança os bracinhos frágeis no ar como se implorasse por ajuda.
Sou eu. Um bebê pequeno e magro que chorou por horas na sala de maternidade. As enfermeiras não gostaram muito de mim. O fotógrafo, que era meu pai, também não.
Os jornais trataram isso como uma predestinação mórbida. Jornalistas - policiais, estudantes e analistas também - elaboraram milhares de perguntas sobre nosso nascimento, nossa infância, nossa criação. Pareciam todos muito interessados em descobrir onde estava a Grande Falha, o momento exato em que tudo deu errado e a maldição da família V. começou. Nunca conseguiram uma resposta, pois nenhum de nós respondeu coisa alguma e, mesmo que tivéssemos respondido, nada havia a ser encontrado. O erro está em nossas próprias almas. Somos apenas um, e pecamos como um só. Talvez tenha mesmo sido uma predestinação, afinal.
Às vezes, antes de dormir, eu revisito aqueles lugares em minha mente e pergunto: poderíamos ter evitado? Havia qualquer coisa que pudéssemos ter feito diferente? Mas apenas um grande vazio me responde. E quando, na calada da noite, eu murmuro as mesmas palavras para Anatoly, ele apenas envolve seus braços fortes em minha cintura e responde: "Nós nunca fizemos nada de errado, minha querida".
Eu gostaria de poder acreditar nele.