Capítulo 61 - Mães de Aluguel

72 5 23
                                    

 

"Estou a caminho tá? Tentem não distribuir tudo sem mim" 
"Tá bom, mas não precisa correr tanto, quem faz isso sou eu…" 
"Idiota, que piadinha horrível…" 
"Ah, confessa, você amou" 
"Claro, amo tudo que você faz Chisato… Mas preciso mesmo desligar, até daqui a pouco" 
Uma coisa que Takina e Chisato nunca pararam de fazer, apesar de toda correria que era a vida delas, era ajudar as pessoas. Por mais corrido que fosse, elas arrumavam um tempinho para fazer algo, uma maneira de se sentirem mais animadas e com boas energias renovadas para continuar a vida. 
E o jeito que elas vinham conseguindo fazer melhor isso era ajudar na distribuição de comida às pessoas mais necessitadas, aos finais de semana. Nos últimos tempos inclusive elas vinham fazendo isso com mais frequência, para compensar o tempo que ficariam sem poder ajudar por causa do nascimento do futuro filho. 
E claro que o casal que já era bem querido desde sempre, agora era mais querido ainda. Todos vinham saudar Chisato e Takina para verem como as futuras mamães estavam. Inegavelmente a barriga de Takina era a atração da distribuição de alimentos. 
Naquele domingo o centro comunitário em especial estava cheio, e todo tipo de ajuda era válida. Para o azar tanto de quem servia e quem era servido, Takina no entanto iria atrasar. 
Aquele domingo era o último dia que Takina iria trabalhar antes de se licenciar para as últimas semanas de gravidez. Gravidez aliás que ela vinha tirando de letra. Mesmo com alguns enjoos ocasionais, ela não teve nenhum contratempo, fazendo de tudo que era possível dentro das condições que lhe eram impostas. Por isso mesmo vinha sempre ajudar na distribuição de alimentos. 
A 'Mamãe Takina' era já a grande atração sem sombra de dúvidas, por isso todos que chegavam ali perguntavam para Chisato onde tava Takina. 
"Ela já tá chegando, teve que ir no hospital resolver umas coisas mas logo logo ela tá aqui" 
"Oh Meu Deus, ela está no hospital? Está tudo bem?" perguntou uma pessoa preocupada. 
"Não, está tudo bem sim… É que ela é médica sabe? Ela trabalha no hospital" explicou Chisato. 
"Ah eu não sabia" disse se desculpando a pessoa pegando sua bandeja de comida. 
"Não tem problema… Pode vir a Próxima pessoa que vai ganhar um belo prato de comida" disse Chisato chamando o próximo da fila. Mas aí uma garotinha passou na frente de todo mundo e foi direto até Chisato. 
"Eu tô procurando a Mamãe Takina, ela trabalha aqui né?" 
"Mamãe Takina? Ah sim, o nome atual dela" Chisato estava ainda se acostumando com o apelido que deram para sua esposa ali no centro comunitário. "Ela logo logo tá aqui, posso te servir enquanto isso?" 
"Não" 
"Não?" Chisato ficou confusa. 
"Não… Falaram pra eu procurar a mamãe Takina" disse a menininha. A aparência dela, de longos cabelos pretos todo emaranhado e roupa gasta parecia um contraste com a voz fofa que ela possuía. O rosto mal se podia ver tamanha era a franja que ela estava. 
"Quem falou pra você procurar a Takina? Você está sozinha menina?" perguntou Chisato ao perceber que ninguém acompanhava aquela garota. 
"Tô sim" 
"E você tem um nome?" 
"Shion" 
"Só Shion? Não tem sobrenome?" 
"Não tenho não…" 
"Minha querida, como você chegou aqui no…" e antes que Chisato pudesse terminar, Takina enfim havia adentrado o recinto"
"Mamãe Takina?" Shion parou na frente da mulher grávida, deixando-a confusa. 
"Olá? Quem é você Pequena?"
"Meu nome é Shion, e você?" 
"Eu sou a Takina, muito prazer" 
"Mamãe Takina!!" disse a garota, enfim sorrindo. 
E foi quando ela sorriu e pulou sem sair do lugar, que Chisato pode vislumbrar pela primeira vez um brilho familiar na garotinha. 
Takina também reparou em algo familiar, sem saber exatamente o que.
"Você… Me conhece?" 
"Não, mas me falaram pra vir procurar a Mamãe Takina" 
"Quem falou pra você me procurar?" 
"Não conheço" 
"Você não conhece a pessoa que falou pra você vir aqui?" 
"Não…" 
A situação era extremamente confusa para todos ali, e mesmo os profissionais que trabalhavam com crianças no centro comunitário não sabiam ao certo o que fazer. 
Coube a Chisato ter uma ideia após observar a situação toda. 
"Shion querida, já que você já encontrou a Mamãe Takina, vamos conversar em outro lugar só nós 3?" 
"Vamos!" ela disse, enquanto a garotinha automaticamente segurou a mão das duas mulheres. 
Em uma sala separada, Takina encontrou uma caixa de doces e serviu para a menina. 
"Você deve estar com fome, né? Fica a vontade querida?" 
"Obaaa" e a garota começou a comer vários bombons"
"Hey Chisato, por que você trouxe ela pra cozinha?" 
"Ali no meio do salão, com aquele monte de gente a garotinha estava ficando intimidada… Aqui, só nós duas, podemos tentar conseguir algo dela" 
"Faz todo sentido, é bem provável" Takina concordou com a esposa. 
"Aqui querida, você pode comer o que quiser daqui" disse Chisato para a menina. 
"Eu quero aquilo" ela apontou para uma torta, e comeu imediatamente assim que lhe foi servida. 
"Minha querida, o que você tá fazendo aqui?" Takina perguntou com toda calma do mundo. 
"Eu vim procurar a Mamãe Takina" disse apontando para Takina. 
"E quem falou que eu estaria aqui?" 
"Uma moça na rua disse que era pra encontrar você aqui, você me ajudaria" 
"E você não conhecia ela, não é?" 
"Não conhecia não" 
"Tá… E de onde você veio?" Chisato entrou na conversa. 
"Eu vim de longe" 
"Quão longe?" 
"Trem…" e ela começou a imitar um trem. 
"Você veio sozinha de trem?" 
"Sim, e de pé" 
"De pé?" Chisato estava confusa. 
"Sim, assim" Shion se levantou e imitou uma marcha sem sair do lugar. Takina reparou o quão surrado estava o sapato da menina. Tal qual o restante dela.
Então enquanto a garotinha conversava Takina se levantou e reservou alguns lenços. 
"E antes do trem, você veio de onde?" 
"Da casa de Tijolo preto" 
"Tijolo preto?" Chisato tentava entender a mente de uma criança pequena, já Takina começou a limpar o rosto e os braços da menina. 
"E como era a casa de tijolo preto?" perguntou Takina enquanto limpava. 
"Não lembro, era tudo escuro" 
"E algum outro lugar? Você lembra?" 
"Tinha um prédio também" 
"Como ele era" 
"Grande"
"Tinha muita gente?"
"Tinha, mas foram todos embora, aí eu fugi" 
"Fugiu? Por que?" Chisato perguntou. 
"Por que eu não queria ficar sozinha lá" 
"Faz sentido…" Takina pontuou. 
"Faz?" Chisato não parecia entender tão rápido quanto Takina. 
"Sim…" Takina terminou de limpar superficialmente a menina e foi até a esposa "Ela fugiu de um orfanato" disse Takina. 
"Como você sabe?" 
"Eu sei bem disso, eu mesmo já passei por algo assim… Então imagino que algo ruim deve ter acontecido com a garota e ela fugiu… Mas como ela veio até a gente que é o grande mistério."
"Mamãe Takina, acabei a torta… Tem mais?" perguntou a criança. 
"Mais? Você come bem hein garota?" Brincou Chisato. 
"Quem será que ela lembra hein?" Takina riu enquanto Chisato deu de ombros. Takina no entanto ao perceber a semelhança, teve uma ideia. 
"Você tem alguma coisa em especial, que queira comer, e que eu possa fazer, pequena?" 
"Pudim, pudim!" a pequena Shion disse parar. Takina olhou pela cozinha e decidiu que poderia seguir o plano. 
"Ok, dá pra fazer um pudim de micro-ondas, só que vai demorar um pouquinho, tudo bem?" 
"Tudo bem" disse sorrindo a criança cheia de energia. 
"Shion, você gosta de joguinhos?" Chisato também teve uma ideia. 
"Não sei, acho que sim" com a resposta Chisato tirou seu celular do bolso e abriu um joguinho de passar o tempo que ela sempre carregava consigo. Depois de poucos minutos a menina já tinha pego o jeito e estava imersa em seu próprio mundo de fantasia. 
"Ufa, ela acalmou… Por enquanto" disse Chisato.
No canto da cozinha, uma colega das garotas apareceu acenando. Era a conselheira social do centro comunitário que Chisato havia chamado. Enquanto a pequena Shion se divertia, as mulheres conversavam explicando a situação. 
"Bom, primeiramente nós temos que procurar se algum dos orfanatos da região estão dando por falta uma garotinha…" 
"Isso se ela veio daqui, a gente tem que lembrar que ela disse algo sobre ter vindo de trem" lembrou Chisato. 
"Vamos começar com os orfanatos da região, amanhã mesmo vou à prefeitura verificar o cadastro de crianças desaparecidas também… O ideal era saber mais informações, mas a garota não parece ter condições de colaborar no momento…" 
"Ela estava faminta, não sabemos quando foi a última vez que ela teve qualquer tipo de amparo…" pontuou Takina. 
"Até que possamos encontrar de onde ela veio, temos que dar um jeito de cuidar dela… Por sorte o centro comunitário está apto a receber crianças nessas situações" disse a conselheira. 
"Ainda bem…" Chisato disse colocando a mão no coração. 
E tão breve foi a conversa o apito do micro-ondas indicou que o pudim estava pronto. 
"Aqui está… tome cuidado, está bem quente tá?" 
"Oba pudim…" a felicidade de Shion era contagiante, todas na cozinha sorriam com ela amparados por uma onda de amor e carinho. 
"Toma, muito obrigado mamãe Chisato…" disse a garotinha. 
"Você me chamou de…" 
"Mamãe Chisato… Você não é mamãe também?" a garota apontou para a mão dada que Chisato tinha com Takina naquele momento. 
A garota era bem perspicaz apesar de tudo.
"Bom minha querida, temos uma coisa pra contar pra você" disse a conselheira de maneira bem branda "Nós vamos cuidar de você aqui enquanto encontramos de onde você veio, queremos que você sinta o mais segura e amparada possível até que possa voltar pra casa" e ela esticou a mão na direção de Shion. 
"Não" a criança correu para trás de Takina. "Eu vim pra ficar, não vou voltar" disse a criança. 
"Querida, infelizmente não é possível…" Chisato se agachou e afagou a criancinha. O olhar dela por trás da grossa franja era de pura tristeza e medo. 
Todas ali perceberam isso. 
E foi ali naquele instante que a conselheira tomou uma decisão. 
"Quer saber? A garotinha pode ficar com vocês por um tempo ao invés de ficar aqui… Até resolvermos tudo" 
"O que? Ela pode?" perguntou Chisato. 
"Bom, claro, se vocês puderem e quiserem também" disse a mulher, que já sabia pela expressão de Chisato e Takina que elas aceitariam. 
"Claro, mas isso não é algo ilegal?" Chisato seguia em dúvida. 
"Em teoria não… Lares temporários são bem comuns em casos de crianças que estão em processo de transição ou adoção, nessa caso enquanto conselheira social acredito que consiga criar esse respaldo para vocês… Pensem como uma espécie de estágio para o bebê que está a caminho ok?"
"Ah, tudo bem… Já estamos basicamente de licença de qualquer forma, cuidar dessa criança por algum tempo vai ser uma boa" disse Takina. Ela agora se virou para Shion e falou diretamente com ela "Pequenina, você vai pra nossa casa com a gente por um tempo tudo bem?"
"Obaaa" 
"Você está feliz Shion?" perguntou Chisato. 
"Muito feliz" 
E como antes, a alegria da pequena criança era impossível de não se contagiar. 
 
 
"Ok, primeiro a gente tem que tomar um banho bem tomado tá bom?" Chisato disse para a nova visitante da casa. 
"Por que?" 
"Porque quando a gente vem da rua, a gente vem cheio de sujeirinhas" foi a maneira mais educada de Takina explicar pra criança sem dizer que na verdade ela estava bem acabada e suja da sua jornada misteriosa vinda de não se sabe onde. 
"A Mamãe Chisato vai cuidar de você, eu prometo" disse ela levando a menina para dentro do banho, que demorou mais tempo do que o previsto. 
"Água quente, tão bom…" 
"É bom né? Ajuda a limpar tudo mais fácil" dizia Chisato enquanto limpava a menina. 
Quando a mulher mais velha começou a secar o cabelo da criança, Chisato não pôde deixar de perceber como aquele cabelo era tão bonito quanto de sua esposa, se fosse tão bem cuidada quanto o cabelo de Takina ela seriam mais parecidas ainda. 
"Shion, quer ficar bonita igual mamãe Takina?" 
"Quero!" 
"Ô Takina… Cadê a nossa tesoura de cabelo?" 
Foi nesse processo de cuidar da garota que ambas Chisato e Takina puderem ter pela primeira vez uma visão de algo que suas mentes só suspeitavam.
"Pronto… banho tomado, cabelo cortado, pele cuidada…" disse Chisato reflexiva. "gostou?" 
"Eu amei, eu tô linda… eu tô mesmo" 
"Igual a mamãe Takina" disse Shion. 
"Exatamente… Como é possível…" Chisato reparou como a garota era parecida com a sua esposa, desde pele, cabelos, pose e expressão corporal, tudo… Exceto uma coisa. 
"Os olhos dela, agora sem a franja eu consigo ter certeza do que eu vi lá no Centro Comunitário… os olhos rubros são idênticos aos seus Chisato." 
"Impressionante, quais as chances?" disse Chisato ainda reflexiva. "Mas ela ainda é muito mais parecida com você mesmo" 
"Pode ser… Seja como for são inegáveis essas semelhanças" e as duas ficaram encarando a pequena criança por um tempo. 
"O que foi?" ela perguntou quando percebeu que estava sendo observada. 
"Nada… é só que você…"
"É muito lindinha!" disse Chisato completando a frase da esposa, e deixando a criança muito feliz. "Vamos, agora tá na hora de conhecer mais um membro da família… O Kira!" Chisato segurou na mão da criança e viu na esposa outra característica igual da criança: o sorriso de ambas era identifico.
"Quem é você Shion…?" perguntou Takina enquanto as duas se deslocavam até o jardim para encontrar com o cachorro da casa. 
 
"Esse quarto é pra mim?" 
"Sim, você pode usar ele enquanto estiver por aqui… no futuro ele vai ser do bebê que nascer da mamãe Takina" disse Chisato enquanto cobria a criança na cama que coincidente as garotas já haviam comprado pra quando o filho delas estivesse maior. 
"Toma, isso é um leite quentinho pra você tomar antes de dormir" Takina entrou no quarto com a caneca na mão. A garota bebeu quase de uma vez só. "Você está confortável querida?"
"Sim" ela disse sorrindo e o leite já fazendo efeito e deixando-a sonolenta. 
"Que bom, queremos que você descanse bem e tenha uma boa noite de sono" disse Chisato acariciando o cabelo da pequena Shion até ela fechar os olhos. 
Quando as duas mulheres se preparavam para levantar e sair do quarto a garotinha segurou a manga da blusa de Chisato. 
Ela não falou nada, só segurou em silêncio. Era o suficiente para ambas Chisato e Takina saberem o que ela queria. 
"Não se preocupe, a gente não vai embora…" disse Takina suave. 
"Isso aí baixinha, você tá segura aqui, a gente não vai te largar não." falou Chisato, como se selasse uma promessa entre as três ali. 
Essa promessa foi o suficiente para enfim Shion relaxar o corpo e se entregar ao sono. 

Lycoris Recoil High SchoolOnde histórias criam vida. Descubra agora