Liberdade

1.7K 153 40
                                    

Eu nunca me imaginei pensando no meu futuro, eu não tinha um propósito de vida nem como apenas um ser humano comum e muito menos como um vilão que marcaria a história por um grande feito assim como o Assassino de Heróis fez, eu apenas seguia as ordens de All For One e destruía tudo em meu caminho, culpando a sociedade pela merda que aconteceu comigo. Eu colocava todas as minhas frustrações e erros que eu próprio cometi nos ombros de pessoas desconhecidas que estavam apenas vivendo suas imorais e tediosas vidas mundanas e nunca sequer pensei em algo que eu realmente gostasse de fazer, nunca cheguei a ir em um parque de diversões para sentir as sensações de euforia ou entrar em uma casa mal assombrada para ter medo assim como todos tem. Eu me sinto tão vazio por dentro por nunca ter vivido direito, só conheço o sentimento de raiva.

Poucas semanas depois Izuku Midoriya já estava conseguindo se movimentar livremente, mas em nenhum momento durante esses dias monótonos ele falou comigo, nem uma palavra sequer, um obrigado pelo menos? Acho que não. Apesar de tudo, o garoto ainda me via como um vilão que quase matou todas as pessoas mais importantes para si e causou uma destruição em massa nas construções civis e pior ainda, na visão da sociedade perante os heróis. Eu não queria ter que encará-lo com a notícia de que seu precioso amigo loirinho de temperamento explosivo foi o único a não sair com vida daquela batalha, seus ferimentos afetaram drasticamente os órgãos internos causando sérias hemorragias e gigantes furos no pulmão que fizeram com que Bakugou afogasse em seu próprio sangue. Eu apenas decidi ignorar o "trágico" acontecimento e passar meus dias confortavelmente com Midoriya, cuidando dele dia após dia e tentando a todo custo começar uma conversa com o esverdeado.

Midoriya estava tão quieto e parecia tão triste, isso me deixava realmente bravo, o que eu fiz de errado para que ele se comportasse assim na minha presença? Eu só quero que ele sorria para mim assim como faz com outras pessoas, ele é gentil até com desconhecidos, é muito difícil fazer o mesmo por mim? Eu fiquei pensando nisso por um tempo enquanto vigiava o garoto que parecia nada além de um saco de ossos sem emoções que apenas consegue respirar e me encarar com um olhar indecifrável. Eu estava me sentindo desconfortável, achei que se eu ficasse com ele apenas para mim essa minha carência excessiva fosse passar, mas pelo contrário, ver o esverdeado daquele jeito só piorou minha situação emocional. Eu me sentia pior que antes, minhas feridas no pescoço só pioravam, certas vezes eu as coçava tanto que o sangue começava a escorrer do meu pescoço para a clavícula e a parte de baixo das minhas unhas ficavam sujas de restos de pele e carne.

- Eu vou te levar de volta, então tira essa cara de cu do rosto, ok? - falei meio cabisbaixo com o tom de voz quase em um sussurro, não seria capaz de ficar assim por mais tempo. Hesito um pouco antes de observar os olhos verdes e turvos do garoto que se transformam em um olhar de curiosidade, talvez esteja se perguntando por que resolvi fazer isso justo agora. Rangendo os dentes eu tampo a visão de Midoriya com um pano e o coloco montando cavalinho nas minhas costas com o objetivo de levá-lo para fora e deixar o pássaro que cantava tão tristemente ter, enfim, sua liberdade. Assim que chegamos a superfície eu tiro as vendas do esverdeado e o mando ir embora enquanto faço um gesto de mesmo significado sem ser capaz de olhar em seus olhos, pois se assim o fizesse tenho certeza que choraria.

O mais baixo sai correndo em direção a avenida principal para encontrar um herói para salvá-lo, admito que fiquei observando suas costas por um tempo antes que ele virasse a esquina com um grande pesar no coração, mas o que mais eu poderia fazer? Tentar controlá-lo assim como All For One fez comigo durante toda minha vida? Isso só o faria me odiar ainda mais, e mesmo gostando da ideia na minha mente, aplicá-la na vida real não surtiria o mesmo efeito. Bem, pelo menos agora eu senti uma emoção diferente além do rotineiro ódio por tudo e todos, senti o sentimento de perda. Sim, aquele coração tão pesado que parece uma bigorna, aquele nó na garganta de palavras que você anseia dizer mas simplesmente não consegue e se arrepende amargamente por isso depois, aquele choro silencioso que ninguém jamais conseguiria ou poderia ouvir além de você mesmo. Enfim voltei para o esconderijo ainda mais frio e silencioso que antes, me encolhendo em um canto qualquer por falta de cobertores e agasalhos mais quentes para o início de noite nebulosa que se aproximava, espero não pegar uma pneumonia.

Eu precisava comer, qualquer coisa enfiada pela minha garganta serviria já que não me alimentava corretamente já há algum tempo e minha saúde tinha deteriorado, mas não conseguia de jeito nenhum. Tudo o que tentava engolir era expelido pouco tempo depois através de agonizantes vômitos, como se meu próprio organismo rejeitasse continuar vivendo e quisesse apenas morrer de uma vez para descansar. Apenas desisti depois de um tempo e me confortei nos pensamentos inúteis de ter bons sonhos invés de constantes pesadelos. Assim que acordei meus olhos começaram a arder devido a luz extrema e fui obrigado a fechá-los de novo para que meu glóbulos oculares não queimassem, tentei mexer minhas mãos para analisar o arredor desconhecido mas não fui capaz, elas estavam... presas? Começo a me mexer continuamente para tentar me soltar daquelas amarras até ouvir algumas vozes abafadas, vantagem de alguma das individualidades roubadas.

- Mas não é culpa dele! Ele só foi mais uma das vítimas do All For One, por falha minha ele está assim. O garoto até ajudou o Midoriya a se curar dos ferimentos causados pela peculiaridade - escuto uma voz rouca e um tanto quanto exaltada implorando para uma segunda, ou talvez terceira pessoa - E mesmo assim ele devastou uma cidade inteira e matou inúmeros civis - um outro homem exclama com um tom frio para o primeiro que ousou se pronunciar - Me deixem ficar com ele, eu o ensino o correto e o reintegro a sociedade, se não funcionar podem fazer essa merda científica de vocês, mas por favor, dêem uma chance ao menino - o primeiro desconhecido fala novamente em uma tentativa de convencer quem é que fosse o outro ser - Tá bom, eu deixo esse monstrinho aos seus cuidados, mas só pelo respeito que tenho pelo que você costumava ser.

Depois dessa fala o cômodo fica em silêncio e eu começo a abrir os olhos vagarosamente para me acostumar com a claridade que a muito tempo não via, para a minha infelicidade eu não conseguia ver as pessoas por detrás da conversa anterior assim que minha visão voltou, já que o vidro era fosco e apenas os homens do outro lado podiam me ver, enquanto eu não era permitido a fazer o mesmo. Sem muita escolha, sou obrigado a mover meu rosto para ver toda a extensão da sala ao qual eu estava preso, como diabos eu havia chegado aqui? Será que Izuku Midoriya tinha traído minha confiança e contado aos heróis onde eu estava me escondendo e mantendo o esverdeado encarcerado? Provavelmente era alguma coisa do tipo, afinal, ele provavelmente me odeia por ter ferido seus professores e posteriormente descoberto sobre a morte de Katsuki Bakugou, eu não era digno de pena depois de tudo.

Depois de ser incapaz de contar os minutos que passei naquele cômodo de cores claras e brilho intenso, finalmente fui capaz de ver alguém além do meu próprio reflexo refletido no espelho me observando. Ao que parece aquele vidro que era usado como uma barreira entre mim, All Might e alguns outros era capaz de ficar translúcido e permitir ambos os lados do painel se olharem. Eu os encarei por algum tempo meio confuso, o que eles pretendem fazer ou falar comigo, já não é óbvio que vão me executar devido aos ocorridos? - Vamos te dar uma chance, uma única oportunidade... - um homem vestindo um terno barato começou a falar enquanto me olhava com desprezo, imagino o porque - Você será monitorado durante todo o processo, sem exceções - o mesmo continua sua frase antes de dar a vez para o ex herói n1 do Japão.

- Olha garoto, o mundo não foi justo com você e muito menos os heróis - começou o homem de cabelos loiros e aparência anêmica - Eu pedi ao país que deixassem eu cuidar de você, invés de ser brutalmente morto pelos seus pecados, mesmo sabendo que foi All For One quem o induziu a cometê-los. Você ficará sob observação durante esse período e, qualquer tentativa de fuga, roubo ou morte te colocarão na fila do abate - o mesmo autor das frases anteriores faz uma breve pausa antes de continuar - Se você permitir, Tenko Shimura, você será capaz de se redimir dos seus pecados virando um herói e ajudando as mesmas pessoas que você tanto feriu - Essa frase me deixou em choque, eu, um vilão que já causou tantas mortes e destruição poderia virar um herói? Qual o nível de hipocrisia de uma coisa dessas? Por acaso esses arrombados estão brincando comigo para me dar esperanças e depois me chutarem para o fundo de um poço frio e solitário?

Bem, eu não tinha muita escolha, afinal, e depois de tudo a criança imatura ainda existia em mim, com um sonho fútil e infantil de seguir os passos da avó que eu nunca nem sequer tive o prazer, ou desprazer, de conhecer - Eu vou poder ficar com Midoriya ao meu lado? - perguntei meio excitante e sem nem ao menos saber por qual motivo eu tinha perguntado algo tão vergonhoso assim - Depois de um tempo, sim - All Might fala com uma voz calma e serena como se enfim estivesse fazendo seu papel de herói em me salvar dos meus próprios pesadelos - Então eu aceito essa proposta - respondo com um tom de firmeza e decisão inabalável, observando atentamente a promessa que o ex herói n1 tinha feito para mim a poucos segundos atrás, implorando para que fosse verdade.

(1717 palavras)

FIM

🎉 Você terminou a leitura de "Você tem que ser meu, Izuku Midoriya" - Shigadeku 🎉
"Você tem que ser meu, Izuku Midoriya" - Shigadeku Onde histórias criam vida. Descubra agora