Navio e mar (Xanzo)

Canoa

Guizo

Eu era solitário, mas quem não era? Eu adimirava o mar, mas quem não adimirava? Eu gostava de joias e ouros, mas quem não gostava?

Eu não gostava de mim mesmo, as pessoas também não, elas afirmavam isso e eu concordava.

Talvez fosse por isso que eu gostasse tanto da solidão, preferia o silêncio, o vazio, preferia ser o último, assim ninguém me apunharia pelas costas, ninguém me faria mal, pelo menos a não ser eu mesmo.

Acordei cedo, cinco da manhã, o silêncio preenchia a minha volta, me sentei na cama e olhei para frente vendo por trás da janela, o mar se misturando com o céu ocupava minha visão.

- Bom dia - sussurrei para mim mesmo, as vezes sentia que ficaria sem voz se não a utilizasse, eu não falava com outras pessoas, e outras pessoas não falavam comigo.

Pisquei algumas vezes tentando desembaçar a visão e me levantei rapidamente ouvindo as tábuas rangerem, andei até o armarinho em que guardava algumas mudas de roupas, e encontrei, eu não gostava de ver aquilo, lembrar daquilo, mais algo em meu subconsciente me forçarva a lembrar.

Uma foto, era o que eu encontrei na primeira gaveta do armário, tinha a mim, eu usava uma camiseta branca com listras vermelhas e um short jeans desgastado, meu cabelo era totalmente preto na época, minha irmã, Dara se abraçava a mim, usava um vestido simples verde água, uma faixa combinando com a roupa, ambas as crianças, com sete anos na época, sorriam felizes, com os olhos fechados por causa do sol.

Senti um aperto na garganta, uma secura, uma angústia, eu me sentia inútil novamente, incapaz, igual aquela noite, a noite em que perderá minha irmã.

Eu e ela estávamos em uma canoa, era ano novo e nossos pais riam e conversavam alegremente com familiares e amigos na cabana que motaram na beirada da praia, estávamos em uma parte mais rasa do mar, as luzes que envolviam o pequeno barraco chegavam até as crianças sorrindentes, a menininha de laço verde água se balançava cantando alguma cantiga que aprenderá com a mãe enquanto a mim ria e tentava a acompanhar na música, por algum momento que não souberam quando o barco deu um solavanco, as crianças se seguraram forte na beirada do pequeno barco, as risadas e cantos de ambos se extinguiram.

"Gui? O que aconteceu" Dara falou com uma voz apavorada.

"Não sei" na época eu realmente não sabia.

Me esgueirei até minha irmã segurando sua mão a acariciando de leve.

"Vai ficar tudo bem, você vai ver, papai já vai vir" disse eu, algo dentro de mim sabia que não ficariam tudo bem, mas não podia dizer isso em voz alta.

E como meu cérebro tolo e infantil dissera na época, nada ocorreria bem, nada acabaria bem.

Segurei mais forte a foto escorregando até o chão, minhas pernas não tinham mais força, meu coração parecia não bater mais, igual naquela miserável noite, as lágrimas deciam tanto quanto naquela hora, a única diferença era que elas não foram cobertas pelo mar, não, o mar estava lá fora, ele não me consumiria por completo igual aquele dia.

Eu consegui escutar como se fosse hoje, os fogos, por que todos comemoravam enquanto eles eram esquecidos pela terra e acolhidos pelo mar? Enquanto em seus pulmões o ar era substituído por água? Aquela criança tola, boba e inútil não sabia, e nunca saberia, como já pensará muitas vezes, aquela criança era inútil, igual ele hoje era, ele não mudará nada.

Os gritos eram tão vividos em minha cabeça, a tosse misturada pela angústia, ele preferia ter morrido naquela noite se soubesse que viveria com essa maldição.

Não consegui mais sentir o ar em meus pulmões, era tão parecido, por um momento aquilo era bom, muito bom, acabaria, tudo aquilo acabaria, aquela angústia, ela teria fim.

Mas tudo que é bom acaba, aos poucos recuperou seu ar, sua visão, ele olhou através da porta do quarto agora aberta, uma moça o olhava preocupada.

- Está bem senhor? Quer que eu chame uma ambulância? - ela perguntou da porta.

- Não... - minha voz quase não saiu.

- Tá bem, se precisar de algo é só falar... - ela começou a fechar a porta lentamente.

E eu apenas concordei com a cabeça até escutar o baque da porta se fechando por completo.

Eu amo vocês, realmente amo, obrigada por todo o apoio e carinho que vocês tem comigo.
Desculpa algum erro ;)