Guizo
Caminhei pelas ruas que ainda estavam desertas aquela hora, podia se ouvir o barulho de alguns pássaros e cochichos de possíveis idosos que acordaram cedo para sua rotina matinal.
Andei por alguns segundos, com a brisa batendo em meu rosto e balançando meu cabelo, minha bolsa havia começado a pesar um pouco no ombro e meus pés se cansavam do chão desregulado.
Em algum momento que eu não sabia quando, um gatinho preto começou a me acompanhar, sorri com a presença do animal, se minha vó estivesse vendo a cena me diria que o azar estava me acompanhando para a morte, o que eu realmente não me importava que acontecesse.
Quando cheguei ao cais a memória me atingiu, era ruim como sempre, a angústia, o nó na garganta, a culpa.
Me dirigi até o navio mais distante, as tábuas rangendo quando pisadas, o gato que o acompanhava subiu em seu ombro fugindo da água.
- Ei, você tá bem? - perguntei ao pequeno animal.
O mesmo citado se aconchegou mais ronronando, desisti de tirar suas unhas cravados em minha pele continuando a andar até o navio.
- Marinheiro novo? - uma mulher, era centímetros mais baixa que eu, seus cabelos eram alaranjados e brilhavam no sol, suas roupas tinham várias camadas e em seu pescoço estavam pendurados variados colares, seus dedos eram cobertos de anéis, seus pés calçavam botas e tinha um sorriso convencido no rosto.
- Sim - minha voz saiu rouca novamente.
- Seu gato é lindo! - a moça se aproximou indo fazer carinho no bicho.
- Eu o encontrei do nada, não sei se tem dono - franzi o cenho olhando o gato.
- Tem nome!?
- Não...
- Ele tem cara de meia noite, gostei! - ela puxa uma corda fazendo se abrir a porteira - sejam bem-vindos! - ela tapeou de leve as minhas costas me incentivando a entrar.
Adentrei o lugar respirando fundo, subi até o convés do navio; alguns outros marinheiros/piratas andavam pelo lugar, arrumando tudo para a navegação.
- Guilherme? - um homem, alto e negro, cabelos com dreads, roupas pesadas e um binóculo na mão, me chamou.
- Sim - respondi simples indo até ele.
- Me acompanhe - ele seguiu até onde supus ser seu escritório.
O segui, adentrando a porta decorado que agora a pouco o moreno havia entrado.
- Sente se quiser - ele começou a remexer em sua estante procurando algo - eu conhecia seus pais.
O olhei confuso - do que está falando?
- Sei do acontecimento... - ele se virou para mim que estava em frente a sua mesa - inesperado.
- Ah... - desviei o olhar, não gostava de tocar nesse assunto.
- Ei garoto - pós uma de suas mãos em meu ombro - talvez eu tenha uma solução.
- Solução? - levantei uma sobrancelha.
- Sim! - ele riu.
- Qual? Me matar? - franzi o cenho confuso.
- Uou, acalmou esse humor sombrio aí! - ele tirou a mão do meu ombro abrindo o pergaminho que segurava.
- Que coisa velha - comentei.
- Era do seus pais - ele analisava cada detalhe do papel.
- Deles? Mas...
- Incrível né? - ele apontou para um ponto no mapa - a caverna dos desejos - soltou um riso anasalado - que nome cringe do caralho!
- Concordo, como se realmente fosse realizar desej...
- Eu já fui até lá - me interrompeu com um sorriso bobo no rosto.
- Que sorriso é esse senhor? - o provoquei, me senti convertido por algum motivo, talvez a energia daquele lugar havia mudado a minha personalidade, ou talvez por saber que ele era conhecido, o meu Guizo criança havia resolvido voltar.
- Você não era queito? - me olhou com olhar provocativo.
- Eu... ah, acho que sou?
- Não parece - riu controverso.
- Desculpa.
- Não peça desculpas, é bom mesmo se acostumar a ser assim, no meu barco prezamos os risos.
Sorri feliz, talvez depois de muito tempo, eu voltaria a ser aquela criança brincalhona e divertida, sabia que esse processo demoraria para acontecer, mas talvez acontecesse!
- Então... por que fugiu do assunto? - sorri ladino vendo suas orelhas tomarem um tom avermelhado.
- Não seja ousado... - desviou o olhar envergonhado.
- Tá bom - olhei a minha volta.
- Uma pessoa.
- Pessoa? - voltei a olhá-lo sorrindo.
- Sim.
- E?
- Já sabe demais, não mocinho? - seu olhar era uma mistura de intimidador com brincalhão.
- Sim, sei.
- Vamos a essa caverna - voltou a observar o mapa.
- Acha que...
- Sua irmã está lá?
- É, tipo isso.
- Acho.
- Mas... ela, caiu no mar.
- Se lembra onde estavam na época do acidente?
- Não...
- Pois bem, agora sabe - o moreno apontou para uma ilha ao lado da caverna - vá por mim, sei do que falo.
- Confio plenamente no senhor - tomei uma postura erreta, se ele estava a afirmar aquilo, era porquê era aquilo.
- Não precisa ser formal comigo - sorriu amigável - somos família, Guizo.
Não lembrava de lhe falar meu nome, mas ele era o capitão, seria estranho se não soubesse, mas o peculiar, era o nome Guizo, meu apelido de infância.
O analisei melhor, era familiar, o cabelo, o sorriso gentil; Morato, o melhor amigo de seus pais.
Lembrava claramente dele e de mais alguém, mas necessitava ver a pessoa para ter certeza de quem era.
Lembrava de ser uma homem ruivo, sorriso encantador, um cara simpático e engraçado.
- Morato? - o olhei sorrindo mais do que antes, eu lembrava dele, o tio engraçado dos doces.
- Lembrou só agora!? - exclamou sorridente.
- Minha memória tá uma merda, desculpa - falei envergonhado, como pude esquecer o cara que dava a mim e a Dara doces escondidos.
- Se já acabamos - o mesmo se dirigiu até o meu lado - vamos?
Acenei positivamente, por um momento a vida parecia estar funcionando, estava tudo bem, o mundo estava bem, o sol estava lindo, minha garganta não doía mais ao pronunciar as palavras, meu coração não se apertava mais tanto quanto antes, talvez tudo tivesse solução, a vida não seria mais banal.
Quando chegamos no quarto onde eu ficaria Morato me parou na porta.
- Aqui - me entregou uma bala de morango, a mesma que eu e Dara tínhamos como preferida - vê se melhora esse astral - riu simpático bagunçando meu cabelo, logo saindo do aposento
É, as coisas poderiam funcionar afinal.
Desculpa algum erro
Beijinhos
Se cuidem! ♡
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Navio e mar (Xanzo)
FanfictionOnde Xande era um tritão e Guizo era um humilde pirata.